VERDADE QUE EMBURRECE
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Ideologia é um conceito ou termo bastante difuso pois é utilizado para finalidades tão diferentes que sua acepção é, notadamente, fluída como água da chuva. Podemos imaginar, com facilidade, que Ideologia sempre faz referência a um sistema de crenças e valores sociais e políticos que simplificam [geralmente com simplismos] a interpretação do mundo [Estado, Partidos Políticos, Idealização de uma Sociedade e mesmo da Humanidade etc.].
Como utopia ou idealização a Ideologia se fortalece na medida em que membros de uma sociedade passam a defender determinados valores e crenças como necessários e verdadeiros e corretos. Tais valores pavimentam os caminhos e as metas para que uma nova sociedade possa ser alcançada. Passo acelerado ao dogmatismo que converte todos os outros membros não-adeptos como adversários incapacitados de compreenderem “os reais motivos da existência humana”. Passo rápido ao fundamentalismo que conduz todos os oponentes ao “campo da inconsciência sobre a verdade suprema mais que verdadeira”.
Por ter a verdade sobre as pessoas e sobre as coisas, a Ideologia se torna uma falsa consciência sobre o mundo, fundada num valor em si mesma e organizada por um determinismo voraz que causa, de início, danos muito severos nos convívios sociais e políticos. Neste sentido, a ideologia serve de causa para toda e qualquer maneira de opressão e autoritarismo. E, além disso, utiliza-se de instituições políticas consolidadas para lhe dar conteúdo valorativo prático unilateral e de eliminação de discordâncias. Como falsa consciência, opera o maniqueísmo do bem contra o mal, do certo contra o errado, da pureza contra o demoníaco.
Nos termos de Ideologia como farsa o inimigo ideológico deverá ser mantido vivo e controlado, presente como uma ameaça constante que justifica as operações e limites impostos e, logicamente, aceitos pelos seus adeptos. É o inimigo, como ameaça, que serve de trilho para que se produza a aceitação de medidas severas e antidemocráticas. É este oponente, perfeitamente adequado aos fins necessários, que fomenta a distorção da realidade capaz de criar o atroz e a atrocidade em nome do bem como finalidade.
Muito além das disposições da nobreza [contrária à Revolução Política] ao lado direito do Rei, e dos Revolucionários à esquerda, durante reunião dos Estados-Gerais em 1789 na França, a ideologia passou a servir como um arranjo de valores baseados em maniqueísmos que, necessariamente, desprezam a democracia e o bom debate sobre ideias e ideais.
Num processo civilizacional baseado nos sistemas de redes sociais que isolam os indivíduos e dissolvem o futuro como tempo de metas e organização, a ideologia serve para o instante necessário de mudanças organizadas contra o passado, sem cultivar o futuro. Sem o futuro que propõe a eternização das coisas, a ideologia se transforma na instantânea solução do aqui e agora. Sem um ponto de chegada, a ideologia necessita chicotear o passado como a revelação da verdade do bem contra o mal.
Na filosofia se aprende que é a ignorância sobre as coisas que provoca o conhecimento, ao contrário das certezas que emburrecem a consciência e enfurecem as práticas. O idiota não pode ser ignorante porque detém "a verdade verdadeiramente verdadeira" e não pode mais aprender, somente impor o ensinamento.
Sugestão de trilha sonora: Pessoa Nefasta
Artista: Gilberto Gil
Álbum: Raça Humana
Data de lançamento: 1984
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