UM NOVO PROCESSO CIVILIZATÓRIO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
DANIELLA MEDEIROS
Jornalista
As formas de estruturação e organização de uma sociedade estabelecem as marcas para a fixação de períodos civilizatórios ou estágios de “desenvolvimento”. Civilização diz respeito a grandes “estágios” cronológicos [selvagem, bárbaro e civilizado, por exemplo]. Os traços culturais, valores políticos e estruturas sociais que emitem os sinais de formação de cada um de nós como indivíduo e como membros de um grupo são ao mesmo tempo as regras em si em seus sentidos operacionais.
Por isso podemos dizer que estivemos no período civilizatório chamado modernidade, segundo o qual as instituições planificavam nosso futuro e orientavam no dia a dia. Na dimensão religiosa Deus fora o criador de todos e implicava em um ÚNICO SER, enquanto os humanos eram os criados; eram as empresas que geravam os empregos e suas funções numa lógica orgânica assemelhando a sociedade a um corpo humano [organismo, órgãos e funções]; a família, escola e religião foram detentoras da educação moral e do ensino orientado às regras sociais e ao trabalho [alguns poderão se lembrar de disciplinas – que disciplinavam os alunos – de IPT e EMC]; a comunidade de um bairro era traçada pela ideia de que seus membros, mais do que moradores do lado eram vizinhos, pessoas que compartilhavam valores comuns e que se tornavam semelhantes. Como as estruturas sociais definiam o indivíduo, a sociedade era observada como fortemente estável, ao mesmo tempo segura por ser repetitiva, mas incapaz de “saltar fronteiras ao desconhecido”. As mudanças eram operações de longo prazo. Com valores estabilizados, então seria mais fácil termos líderes de longo prazo. Por isso conhecemos a história por nome próprio de pessoas.
Espantando a nostalgia que poderia nos fazer saldar o passado diante de um “desconcertado” futuro, hoje nos encontramos em outro processo civilizatório. Com a aparição da internet em nossas vidas, o mundo se faz por virtualidade. As redes sociais estão associadas à suspensão do tempo e do espaço [quando se pratica e onde se faz não é mais um território físico somente, mas material e virtual ao mesmo “tempo”].
Com a internet e a vida virtual nossos pontos de encontro estão fora do território “Terra” e se encontram em pontos extraterrenos. Desde a internet você passou a olhar o planeta Terra como se estivesse fora dele e não mais como uma figura de atlas. As instituições, que ainda asseguram algumas referências para nosso cotidiano não são mais deterministas. Cada um poderia criar o Deus que lhe convém, cursar as disciplinas que lhe forem proveitosas, obter na família um ponto de encontro durante uma refeição [isso quando der tempo]. O mundo da atual civilização é construído pelo indivíduo, inversamente do que acontecia na modernidade.
Indivíduos dissolvidos numa condição de isolamento na medida em que ingressa na virtualidade. Que tem seguidores e amigos e curtidas, mas não requer importância ao abraço com gargalhadas, que não requer do contado físico algo de proximidade, solidariedade e companheirismo, mas, muitas vezes, invasão de privacidade. Agora, ninguém conhece ninguém; mesmo porque não precisa e não é necessário.
Vivemos em um outro “mundo”, nem melhor, nem pior; apenas bem diferente. O solitário de outrora, parecia-nos desacompanhado, como que desassistido. Hoje, mesmo estando em grupo [familiar, escolar ou de amigos físicos], a solidão nos indivíduos persiste e de maneira diferente. E dessa vez, ela é procurada. Mais indivíduos consideram-se e agem só. Porém, de maneira digital. E, desassistidos não só de governo mas, também de visualizações “internéticas”, estes marcam a atual época. Estamos representados por uma era de INDIVÍDUOS INDIVIDUALIZADOS AO EXTREMO. Um solitário que luta para ser visualizado num mundo on line. Tem mendigo que não quer voltar para casa assim como tem solitário que não quer companhia. Desde que esta seja apenas digital.
A marca dos tempos antes representada por grupos e seus jeans ousados, também por propagandas de cigarros e automóveis [porque fazer dezoito anos era sinônimo de tornar-se motorista autorizado], agora possui – de nascença – o domínio de mais de um idioma [entre o inglês e o “internetês”]. E sua principal característica se dá aos pescoços tortos para baixo e deixando o corpo com o mesmo formato de um ponto de interrogação. E nunca a frase “O corpo fala” disse tanto.
Cruzamos um novo tempo, com um novo veículo que nos traça nossas características novas, que “diz quem somos e como somos”, que nos desloca sem direção de uma rua, sem aceleração que poderia, antes, nos deixar cambaleantes, que nos leva para todos os lados, sem implicar em progresso das coisas e das pessoas. Um tempo e um mundo nos quais o instantâneo, o provisório, o instável, o não-futuro [não significa ser sem-futuro], e tudo o que forma o indivíduo “real-material, virtual-sem apegos” não se pré-ocupa nem com o passado, nem com o futuro, porque o tempo e o espaço se dissolvem no ar. Os sentidos sociais das palavras inclusive denotam novos significados: curtir, seguidores, ....
“Caríssimos,
Vocês seguem prisioneiros de um sistema. Você terá que acionar seu equipamento [meio] e assumir as regras dos softwares. Você não é livre. Apenas não é prisioneiro da religião, da escola, da família... Seu mundo é outro, diferente, para viajantes. De concreto restam-lhes o ar”.
Anos Modernos
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