REPÚBLICA QUE SE DERRETE AO SOL
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
O desencanto pela Democracia é antecipado pela amargura sobre a República (coisa pública). Há muito não encontramos nos governos (prefeitos, governadores e presidentes da república – talvez existam casos raros) e nos parlamentos (câmaras de vereadores, assembleias legislativas e congresso nacional – sem casos raros) um único indício longínquo de que a república impera sobre os interesses particulares daqueles que tem o dever de representar interesses coletivos.
Já há clamores de que é hora de você, GRANDIOSO ELEITOR, expressar seu caráter cidadão se dirigindo às urnas e votar para fazer valer a sua voz. BOBAGEM! Você e eu somos considerados como pessoas decepadas. Cortaram nossa língua, esmagaram nossas mãos e amputaram nossas pernas para dizerem que, agora, estão dispostos a nos ajudar. Transformaram nossa esperança num sorvete em pleno sol (Carta à República, Milton Nascimento/Fernando Brant). Nossa fé foi desfeita porque “os sacrossantos são ateus”.
Talvez, o único instrumento ou estrutura de Estado que estaria a saciar nossos anseios – até vingativos – seja o sistema judiciário (ao menos quando deixamos de lado os privilégios como benefícios habitacionais e regalias de toda ordem). Chegamos ao ponto de que, no julgamento em segunda instância do ex-presidente Lula estivesse em jogo dois vereditos. O primeiro deles sobre o fato jurídico em si mesmo, de acordo com condicionantes legais que levariam o réu a ser considerado culpado. O segundo, o resultado de representação de esperança da maioria da população brasileira pela Justiça Moral, ou se ainda poderíamos contar com a Justiça a responder por nossas angústias e decepções.
Na medida em que a praça não carrega o interesse do povo, e que o povo não é mais o “senhor da democracia”, resta-nos ficar agarrados numa pena fina de um pássaro qualquer para imaginar como seria o “céu republicano”.
Eleitor não é cidadão (até na Venezuela se vota!). Cidadão é, TAMBÉM eleitor. O fato de votar, mesmo como conduta obrigatória, não revela, necessariamente, democracia. Cidadania é muito, muito, muito mais do que votar e ser votado. Nossas brigas e sofrimentos, nossos berros e sorrisos, e nossos sonhos foram desfeitos pelos que foram eleitos com nossos votos. E o erro não é do eleitor. Afinal de contas quem escolhe os candidatos nos quais podemos votar? E depois das eleições, no que você e eu somos transformados? Alguém vem nos perguntar sobre nossos desejos quando de uma votação?
Roubaram o dinheiro republicano, mascararam como lícito o que é vergonhosamente imoral (como a tal da fidelidade partidária e como o prejudicial arranjo de cargos comissionados para formar o aparelhamento do Estado); ficaram de costas para a população inclusive quando foi votado o projeto “Ficha Limpa”, com parlamentares compondo resistência política de todos os lados.
Talvez, uma saída seja condicionar a motivação de votar a comportamento político justificado. Primeiro não se vota em amigos, mas em posicionamentos como se você pudesse estender sua mão no futuro. Segundo, que se é para votar no menos ruim, o melhor é não votar em ninguém porque seria maldade aos outros habitantes merecerem o menos ruim. Por fim, a quantidade de votos nulos e brancos pode deixar claro que estamos acordados.
Uma coisa é ser eleito, outra é ter legitimidade política (não me refiro à legitimidade oficial institucional). Como bem sabem a senhora Dilma Rousseff e o senhor Michel Temer e tantos outros prefeitos que foram eleitos e ocupam os cargos como se para si fosse, mas não venceram na política (não têm legitimidade política e vivem se coçando para explicar e fazer qualquer coisa). Não mereceram, pelos comportamentos antiéticos, nosso voto ontem, e muito provavelmente não o mereçam amanhã.
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A música "Carta à República", de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, foi gravada em 1987 e intitula LP de mesmo nome. A letra representa a decepção sobre o caminhar da democracia brasileira no momento que antecedeu a Proclamação da Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo reivindica a necessidade de ativismo político popular. A gravação foi feita diretamente de LP e a canção se caracteriza por ativismo pacifista.