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QUEM FAZ O QUE? A MUTILAÇÃO DO CORPO DO ESTADO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

Na Ciência Política, o Constitucionalismo de Montesquieu [O Espírito das Leis, 1748] é a fonte que nutre os sistemas políticos até hoje. A separação dos poderes [Executivo, Legislativo, Judiciário] forma a estrutura do corpo do Estado: óssea, muscular e vascular. Tal qual o sistema orgânico, cada um cumpre uma função exclusiva, autônoma e associativa aos outros. Cada um dos órgãos deve funcionar em nome do todo [sociedade]. Se um deles assumir a função de qualquer outro haverá um extenuante desajuste e o corpo padece. O Executivo não poderá punir os transgressores das leis e nem fazer suas próprias leis. Ao Judiciário caberá o controle legal da vida em sociedade e o domínio sobre as formas de punição aos transgressores. O Legislativo terá a função de organizar a sociedade com a elaboração de leis.

Para que o corpo do Estado seja vigoroso é necessário que cada órgão faça exclusivamente o seu trabalho, na condição de que sua existência depende da estabilidade do sistema integral. Leis devem ser duradouras e não podem existir por conveniências ou interesses de grupos. Por inspiração naturalista, se existe para um caso deve existir para todos os casos. A Constituição do Estado é pensada como a funcionalidade regular e estável da natureza. Por isso há a climatologia e a previsão do tempo. Se as coisas ficam conturbadas perdemos a capacidade de prever e tememos o futuro.

O Brasil moderno de 1988 criou o Estado em resposta protetora contra a ditadura, em favor da liberdade e da criação de múltiplos caminhos de participação popular. Na certidão de nascimento aparece com o sobrenome Cidadã. Exatamente como um bebê cuidado pelos pais, se pretendeu lhe entregar um mundo melhor e lhe preparar para enfrentar os mais difíceis desafios. Seus ancestrais tinham sofrido muitos desaforos e falta de respeito.

Por desconfiança aos humanos e por desatino das experiências das trajetórias das constituições antepassadas, se colocou toda a salvação neste novo ser. A Constituição de 1988 criou tanta gordura que o fígado, o coração, o intestino, os pulmões, as vísceras têm sofrido com excesso de gordura. Desde seu nascimento, a Constituição de 1988 percorreu muitas salas de cirurgias e sofreu muitas operações. Gerada para ser Parlamentarista, se firmou no Presidencialismo e vagou entre as duas vertentes. Teve apendicite: Presidencialismo de Coalisão. O centro da Coalisão está no Legislativo. Confundiu-se as funções do Legislativo e Executivo.

Há tantas emendas neste corpo que não se sabe mais que tipo de ser é. A cada semana uma Cirurgia Constitucional é considerada necessária em virtude das necessidades de ocasião. O corpo degenera. O Judiciário, por seu princípio de correção, assume posições de criar leis de acordo com a estrutura óssea e a condição senil de um ser de menos de 40 anos. Atualmente não sabemos definir os territórios de cada órgão e os poderes funcionais que originalmente lhe foram destinados. Não é possível determinar os limites entre cada um por suas funções. Tudo ficou muito confuso, vulnerável e ocasional. A constituição tem muitas cicatrizes e remendos.

Em letras miúdas, o último Boletim Médico afirma ser necessário recriar o Ser Constitucional; que não adianta mais realizar cirurgias orientados pela dor, senão pela causa de suas doenças. Não é possível manter um sistema que, para existir, precisa se mutilar.

 

Sugestão de Trilha Sonora: REVANCHE

Artista: LOBÃO

Autor: BERNARDO VILHENA e LOBÃO

Álbum: O ROCK ERROU

Ano de Lançamento: 1986

Crédito de Imagem: PINTEREST



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