PRECONCEITO, OPINIÃO E ARGUMENTO: FOME DE QUE?
MEDEIROS, Daniella
Jornalista
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
“Não voto em mulher”. “Você não deve frequentar aquele bairro”. “Se não faz besteira na entrada, faz na saída”. E como você se sente quando se vê diante de um ex-detento ou de alguém que já foi usuário de crack? É fácil nos lembrarmos das vezes que recebemos dos pais, avós, irmãos, vizinhos e até de professores, os primeiros elementos do preconceito como orientação protetiva.
Desde as eleições presidenciais de 2010 e 2014 temos percebido com intensidade formas declaradas de intolerância motivados por comportamentos baseados em preconceitos e julgamentos sociais. É evidente que em todas as sociedades e em todos os tempos ocorreram demonstrações baseadas em juízos de valor que não têm correspondência com fatos. Tanto para desmerecer e discriminar, quanto para se vitimizar e se dizer não-aceito porque originário de um grupo ou condição social de desfavorecidos: “É por isso que a elite nos odeia”. Se o preconceito é parte constitutiva da sociedade e das relações sociais, então a única forma de encará-lo e superá-lo é fazê-lo evidente em nossas relações sociais e comportamentos.
O preconceito é sempre algo contra um grupo, um comportamento ou uma crença de forma generalizada. E está organizado numa conduta maniqueísta segundo a qual o bem está alinhado no próprio julgador. Não nos escapa a forma de avaliar “os nordestinos” e “indígenas” como pessoas que preferem a dependência do governo ao trabalho.
Preconceito contra preferências sexuais ou de gênero são corriqueiras quando aferimos às mulheres a condição de, “por um capricho da genética”, estivessem orientadas ao trabalho doméstico. Ou de raça quando encaramos negros e índios como “propensos à inferioridade na escala da espécie humana”. Ou quando, ainda que não intencionalmente, inferimos aos judeus o sinônimo de sofrimento, zombaria ou escárnio (derivados do verbo judiar).
A intolerância tem, em boa parcela, fundamentação em preconceito. Quando isso se associa a mídias (rádio, tv, jornais e internet) combinamos juízos de valor definindo o bem e o mal, conduzidos por meios de influência às pessoas que não estão sob as mesmas condutas. Falar ao microfone ou escrever num jornal ou ainda dar opinião na condição de mídia, seja lá por que meio for, é estabelecer um padrão de pensamento aos outros sem que esses “outros” tenham a mesma chance condicional de se declarar.
Opiniões são condutas pessoais que devem valer para fins privativos, para meios não generalizados. Cada um de nós pode e deve opinar sobre qualquer fato ou valor social dentro de seus grupos de WhatsApp ou de parentesco. Mas, ao mesmo tempo, tem o dever ético de argumentar ou recorrer a posicionamentos legados em bases impessoais (ainda que com preferência individual por raciocínios lógicos) e que produzem a condição de contra-argumento sem que qualquer um se sinta prejudicado individualmente.
Sátiras, piadas, opiniões continuarão a existir entre nós, pois nunca estiveram fora da formação de nossos valores e comportamentos. Mas, é fundamental assegurar que opiniões pessoais não devem formar valores em mídias; que caprichos individuais não possam ser colocados como “esta é a minha opinião”. Para cada um que se comunica com muitos ao mesmo tempo vale a argumentação e a controvérsia. Opinião, por ser pessoal, carrega consigo muito de preconceito e intolerância; nada de valores democráticos e muito de autoritarismo. Que não judiemos mais de ninguém; que as preferências sexuais sejam de caráter privativo; que o dia internacional da mulher seja para homenagear homens e mulheres que lutam por democracia de gênero; que a cozinha seja ambiente unissex. Não haverá puritanismos sociais nem perfeição social. Mas podemos argumentar sobre preconceito e intolerância, para muitos. E opinar sobre qualquer coisa, para nossos amigos.
O que pode calar nosso preconceito e intolerância, essa educação social malformada – tão silencioso quanto turbulento, é não se acovardar quando ele surgir em nosso horizonte social.