POSTAR, COMO COVARDE. PUBLICAR, COMO CRÍTICA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Entre tantos fenômenos que mudaram nossa forma de organização social e política, nosso jeito de se posicionar e nossa forma de encarar a crítica, as redes sociais se conjugam como algo absolutamente inovador.
Primeiro porque permitem que as pessoas, inicialmente, tenham acesso rápido e fácil a um conjunto de notícias, informações, dados sem precisar de muito esforço pessoal. Talvez aí esteja um de seus maiores problemas. Por ser fácil, qualquer coisa chega, qualquer informação nos alcança, qualquer notícia se nos impõe.
Por ser fácil, o pensamento já “chega pronto”, o posicionamento já está escalado, e as ideias próprias ou o pensamento autônomo ficam esfacelados, gangrenados. Há grupos e robôs, como sabemos, que se organizam para nos vomitar ideias prontas de notícias parcialmente ou inteiramente falsas. E parece que não temos como combater, ficamos submersos num pântano lamacento. Cabe-nos não espalhar as falsas notícias, como impotentes participantes. Mas sempre haverá alguns para propagar as fake News.
As redes sociais formaram um novo cenário de interação social e política, constituída por pontos de conexão [e não necessariamente por pessoas] que se deslocam de um canto para outro como que se desmanchassem no ar a cada segundo. Como o que se posta tem o tempo de duração de um click qualquer, nada merece ser criticado ou assumido. Um mundo formado por gás disperso na atmosfera. Por isso as pessoas podem falar, escapar para outro “lugar”, desligar suas “conexões”, fugirem. Um campo promíscuo de covardia.
As redes sociais surgiram com muito mais acesso a notícias, informações, comentários. E este é seu principal problema, sua terrível vulnerabilidade. Tudo nasce “meio mentira”, “meio morto”, “meio incerto” [merecedor de toda a incerteza como meio certo]. As redes sociais criaram um mundo falsidades, com sorrisos de um segundo no sangue pulsante, com tristezas profundas no canto do quarto, eternizadas na sofreguidão do isolamento concretizado em paredes.
O melhor do mundo é a crítica. A possibilidade de ser criticado, não como ato de rejeição, mas como comportamento de diferença e de aprimoramento pessoal, de ideias. A crítica é o antídoto para o autoritarismo político e para a nutrição da democracia. A crítica merece o respeito que a covardia das redes sociais não conseguirá atingir.
É por isso que os jornais não sumirão do espaço social e político. Posto que as redes sociais nascem com incertezas, carregadas de riscos e perigos, o processo de legitimidade e de legitimação de ideias e posicionamentos políticos e sociais serão ministrados nas salas de aula das páginas dos jornais. Simplesmente porque ali emergirão as possibilidades concretas de confrontos e diferenças, sempre de forma crítica, apesar de críticas. É nas páginas dos jornais que encontraremos a argumentação e os comentários que suportam a contrariedade mais severa. E nas redes sociais encontraremos o mundo politicamente mais incerto e socialmente mais arriscado.
A opinião é qualquer coisa da preferência de alguém, de fonte pessoal. O argumento é uma elaboração que tem história, regularidade, parâmetro, fonte teórica, numa tentativa de impessoalidade. As redes sociais são pescaria em pântano lamacento, de coisas pegajosas. Os jornais são viagens em mar aberto, com vento, com estrelas, com tempestades... com rumo.
Sugestão de Trilha Sonora: SERÁ
Artista: LEGIÃO URBANA
Autor: RENATO RUSSO/DADO VILLA-LOBOS/MARCELO BONFÁ
Álbum: LEGIÃO URBANA
Data de Lançamento: 1985
Crédito de Imagem: Google Images