POLÍTICA, DESENCANTO E FUTURO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
As eleições municipais de 2020 foram recordistas em abstenções [aqueles eleitores cadastrados que não compareceram para votar]. Se somarmos os que votaram nulo ou branco chegaremos muito próximos de 30% de eleitores que decidiram não votar em nenhum candidato ou partido. Este é um bom alerta para todos aqueles que consideram a política o meio de encarar os desafios coletivos.
Desde que o comportamento político-eleitoral das pessoas não mais admitiu que privilégio é “dom” da política, ainda que persista, o desencanto com políticos e seus comportamentos tem se tornado mais intenso. Não se absorve mais qualquer vantagem para um deputado ou vereador ou governador ou presidente, sem que este receba uma tempestade de críticas e de bombardeios. O tal “rouba, mas faz”, vergonhosamente vigoroso nos anos de 1980, hoje se torna inaceitável. Desde que a Lava-Jato e as trocas pelas redes sociais, a passagem do tempo é condicionante para a mudança de comportamento político.
Ouvimos e costumamos dizer que em um país minimamente democrático um ou outro fato seria tratado com rigor e elevaria a condição da moral e da ética políticas. Por si só isso já encaminha um desejo de que as coisas deveriam ser diferentes. Pela outra janela também nos abre a condição de que ainda não estamos politicamente maduros para assumir respostas mais graves com relação a qualquer desvio de condutas ético-políticas. Estamos no meio termo.
Basicamente porque ainda os políticos se conformam em seus “recantos” de proteção protegidos por seus pares. Nos Partidos Políticos as chances de um desalento político ser assumido como princípio de punição são muito baixas. Nos Parlamentos [Congresso Nacional, Assembleias Legislativas ou Câmaras de Vereadores] o “sistema de proteção” e os “ritos de julgamento” transformam qualquer processo num passeio no parque.
Mas ainda assim, “as melancias vão se ajeitando com o balançar da carroça”. Muitos resultados têm apontado para apostas em mudanças. Mudanças de comportamento político, de proximidade de candidatos com as pessoas, com a capacidade de se entender a vida dos cidadãos, com o jeito de comunicar o que precisa ser dito. Os heróis políticos têm sumido do caminho e em seu lugar aparecem humanos carnais com defeitos. Mas, especialmente com a habilidade de reconhecer seus limites e seus erros.
Ao invés de se proteger entre seus pares ou nas suas “conchas partidárias” tornar-se carnalmente humano, reconhecer seus erros, tem se revelado um ato de grandeza e de autossuperação. As mais variadas tentativas de driblar suas fraquezas e esconder suas falhas para manter seus privilégios têm se mostrado um tiro de bazuca no pé dos próprios políticos. As farsas e a engenharia social e jurídica para tentar tornar lógico o inadmissível deixa o herói de si mesmo sem forças para defender o coletivo.
Os recordes de abstenções e de votos brancos e nulos, tudo somado, faz do eleitor um vingador político, eleva seu desencanto com a política e inibe sua crença em projetar o futuro. Os políticos precisam se vacinar contra o próprio mundo que criaram. Porque em boa parte, os eleitores estão se vacinando de tempos e tempos.
Sugestão de Trilha Sonora: SUPER HOMEM, A CANÇÃO
Artista: GILBERTO GIL
Autor: GILBERTO GIL e CAETANO VELOSO
Álbum: REALCE
Data de Lançamento: 1994
Crédito de Imagem: Pinterest