PERGUNTAS AMIGA DA IGNORÂNCIA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Somos diferentes, apesar de tudo que nos coloca no mesmo lugar. Nossas diferenças físicas, nossas combinações genéticas, resultam em sermos distintos. O corpo é a expressão desses contrastes. Gostamos de ser diferentes porque a discrepância nos dá individualidade. Ser diferente é bom! Cada um, cada um! Mas temos necessidades comuns: precisamos viver em grupos e falar uns com outros. Falar um com os outros é ter que produzir um sistema comum de vida e comunicação. Até mesmo ficar isolado e mudo é uma maneira de expressão social.
Precisamos estar semelhantes para produzir diferenças entre nós. Não posso sem os outros, e preciso estar com os outros para, comparativamente, me perceber. É o mundo social e político que nos fornece os ingredientes para sermos semelhantes, parecidos; e diferentes, discrepantes. Vivemos por comparações. O mundo ao meu redor me fornece parâmetros e conteúdos para eu poder me identificar, justamente porque se diferenciam de mim. Por isso é tão fácil pensar e viver o mundo por hierarquias, estruturas e dinâmicas, erros e acertos, autoridade e obediência, rotinas e casualidades, certo e errado. Os contrates nos formam e formam o mundo no qual vivemos.
Ao olharmos para o indivíduo assumimos um ponto de partida: cada um. Do indivíduo para o mundo, os sentidos das coisas se dão exatamente pela procura e descobertas de distinções, diferenças, separações, distâncias. Já na História todo o processo é invertido: é do conjunto para o indivíduo o sentido das coisas, do todo para o individual. Aqui procuramos o que nos une, nos faz coletivo, nos permite o conjunto. As formas de ver o mundo e as coisas se dão pela maneira segundo a qual a pergunta é elaborada. A pergunta que distribui os modelos pelos quais vamos pensar o mundo, e não as respostas – essas são resultados e não origem.
Uma pergunta bem-feita é a maneira mais fácil de obter boas respostas. Por isso, quando de orientação de trabalhos científicos, há tanto esforço para que a questão que orientará o trabalho a seguir seja rigorosamente pensada. Apressar-se na resposta é mutilar o pensamento. Da boa resposta se terá, como raiz, o fundamento de uma boa pergunta. Perguntar adequadamente é salutar, fundamental, essencial para bons passos.
As formas de se perceber o mundo nascem de boas perguntas. Ao acalento desse fato se exige a postura de reflexão frágil e inconclusiva, da postura coordenada entre desconhecimentos, da inebriante forma de se colocar como ignorante frente aos fatos, a despeito de tudo “que se sabe”. É a ignorância que protege o conhecimento e a sabedoria; modéstia perante a “verdade”. Para os que se apressam nas respostas, a probabilidade de erros e inquietações são maiores, e a postura de respondente não se equivale a condição de conhecedor. O especulador tem como extrato bancário, como contabilidade, respostas sem perguntas.
O conhecimento e boas condutas se fazem por boas perguntas. Perguntas antecedem a convivência elegante com a ignorância. A sabedoria, traçada pelos anos de repetições das coisas, só é permitida pela postura de decência e simplicidade. Para todos os casos, se colocar como amigo da ignorância permite a postura de se perceber o mundo antes pelas perguntas, e não pela correria das respostas. Perguntar enaltece e o erro é meu amigo!
Sugestão de Trilha Sonora: TENDO A LUA
Artista: PARALAMAS DO SUCESSO
Autor: HERBERT VIANNA e TETÊ TILLET
Álbum: OS GRÃOS
Ano de Lançamento: 1991
Crédito de Imagem: PINTEREST