OS RITOS SOCIAIS DE TODOS OS DIAS
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
O mundo no qual nascemos e fizemos nossa trajetória de vida já está formado e, ao mesmo tempo, em permanente transformação. É por isso que de geração em geração, ou quando observamos como nossos pais e seus amigos viviam em comparação com a nossa vida atual, percebemos que o mundo e a vida mudaram.
Ainda que estejamos vivos hoje e compartilhando do que o mundo nos oferece, ainda assim vivemos de forma diferente. São os valores e referências de cada geração que faz com que o mesmo mundo seja tão diferente para cada uma delas.
Por outro lado, a sociedade na qual vivemos ainda preserva um conjunto de coisas que nos mantêm como um grupo. Forma de usar a língua portuguesa, valores religiosos, companheirismos entre amigos, formas de solidariedade, encontros para conversar sobre a vida e o mundo [preferencialmente dos outros], preferências por vestimentas, modos de morar...
E entre as maneiras de viver que se propagam na nossa história temos a conduta sobre o que podemos chamar de ritos sociais. Os grandes rituais são facilmente identificáveis como os de origem política partidária, de mercado, militar, financeiro etc. Mas os “pequenos” ritos sociais são menos visíveis, muito embora sejam elementos que estruturam nossas vidas.
Quando vamos ao supermercado, por exemplo, desempenhamos um conjunto de relações de poder de pequeno porte e muito eficiente para a manutenção da vida em sociedade. São elementos estruturantes. Então, um casal ao estar no supermercado para suprir um volume importante de suas necessidades acaba por exercer as maneiras necessárias para viver em grupo social. E atuar num ambiente que é propriamente um laboratório.
Note que no supermercado a iluminação e a temperatura são constantes e exercem a força de lhe retirar do mundo. Você é absorvido pela ação de consumir e nada pode lhe atrapalhar: não há chuva nem sol; não é tarde nem cedo; e parece que tudo o que é necessário está diante de você. O supermercado se torna um mundo fantástico de satisfação social e pessoal.
E você não precisa ser nenhum economista formado em uma universidade de destaque: as pessoas sabem quanto tem [ainda que seja em crédito] e o que podem comprar. Saber comprar é uma habilidade comum e necessária. Também há decisões políticas: há coisas que os membros da casa não gostam e outras que preferem. Então, a decisão de compra é realizada de acordo com tendências dos membros da casa. O tempo de preparo dos alimentos também é fundamental na decisão: carnes compradas para a semana devem estar no intervalo máximo de preparo de um almoço, fato pelo qual adquirimos bifes por exemplo. Um almoço deve consumir no máximo duas horas [entre 10:00h e 12:00h].
Depois da aquisição, as decisões serão estabelecidas por outros critérios. Um deles é o estético: a disposição da comida segue uma ordem de operações baseada na funcionalidade e isso demonstra porque os pratos considerados principais ficam sempre no campo visão dos participantes enquanto as saladas, em geral, ficam lateralizadas. Por fim, a hora de se alimentar segue regras austeras de comportamentos sociais: como comer, o que se pode falar, como se sentar etc. E, para terminar o rito alimentar, após se satisfazerem, a maioria dos membros se retira e, na maioria das vezes não agradece pela dádiva resultante de tanto esforço: levanta-se e se vai. E a limpeza fica por conta de poucos ou de um.
Do nascimento, passando pela trajetória social, até o momento de nossa ausência, nossa vida é mantida por ritos sociais extremamente importantes para que possamos saber quem somos e com quem estamos. Por isso, a Política de todos os momentos tem vida.