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O VELÓRIO DA REPÚBLICA

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

Os comentários entre vizinhos, nas esquinas parecem ter evaporado. Na civilização da internet as ruas têm linha reta, de mão única: a minha opinião sobre tudo e sem retrações. As disputas de posicionamentos nas redes sociais é uma troca de jeb [golpe de luta em linha reta] a distâncias virtuais. Cada um vira especialista de sua própria opinião, exposição em forma de julgamento.

A opinião é a exposição de um parecer que nasce das preferências pessoais, das experiências pouco refletidas. Opinar é julgar com base em conjecturas, no imediato das coisas, como um caminhão sobrecarregado de subjetividade. Como preferência pessoal significa defender o que gosta, a predileção, como saborear uma comida sem saber da trajetória de seus ingredientes, das combinações que organizam os sabores, dos produtores e dos cozinheiros. “Eu gosto” é a expressão suficiente. Em tempos de individualismo, a opinião se transfigura em julgamento, em culpa aos divergentes, em acusações aos contraditórios.

A opinião não precisa de clareza nos fatos, mas no arranjo de características que podem sustentar, por condição lógica formal [1+1=2], o julgamento já finalizado. É o mundo que se ajusta às preferências, aos desejos, à preeminência do ego. As condições opinativas colocam a vida em ordenação de continuum de prós-contras em relação ao julgamento feito ontem. Daí que opiniões partem de pontos de vista, do como se vê, do imediatismo dos olhos [e não de reflexão]. Opiniões se constroem por pontos muito específicos e restritos e expressam uma atitude já existente. Não são os fatos que levam ao julgamento, mas o julgamento que leva aos fatos. A verdade já estava pronta.

A argumentação necessita de método e discussões. Estes são dispositivos para se alcançar níveis diferentes de objetividade. Por se tentar entender os fatos se recorre a análise dos acontecimentos, ao controle pelas críticas dos outros [sempre desejado e muito bem vindo], inibindo as preferências pessoais. É por isso que ocorrem seminários, debates, se escrevem artigos, defendem-se teses, e se elevam as críticas. É no trato das argumentações que se chega a contratos mais gerais de fundamentos para se entender os fatos. A verdade não existe, mas o consenso.

Argumento, muito mais do que um ponto de vista, é um raciocínio, reflexão dedutiva ou indutiva [geralmente as duas ao mesmo tempo], sobre o mundo exterior e seus fatos, suas condições de existência, das relações que se estabelecem entre os elementos de existência. Quando se analisa um vírus num laboratório, por exemplo, busca-se a interpretação de sua existência e das interrelações estabelecidas com o mundo. Não importa o que se prefere, mas o que se estuda ser. Após isso, a necessária publicação passa por críticas e avaliações metodológicas.

Quem tem opinião defende a si mesmo, dispõe o caráter subjetivo, fala de sua preferência. Quem tem argumento posiciona um fato, atrai lições da história, recorre a livros [inteiros e não extratos espremidos em resumos do suprassumo da essência], passeia em interpretações científicas, analíticas, interpretativas, compreensivas, explicativas [cada qual com suporte teórico-metodológico distinto]. A opinião é legitima para o opinante, mas restrita, subjetiva e geralmente reducionista. O argumento é legítimo para a crítica, abre para a reflexão, não acusa. Argumentação geralmente amplia nosso conhecimento e nos provoca o espírito de sabedoria.

No alargamento do tempo do instante, a preferência política tem se sobreposto a argumentos. Nunca se mentiu tanto, da forma mais descarada, nos refúgios dos túneis secretos abaixo dos cemitérios de corpos ainda frescos. A política está matando a República.

 

Sugestão de Trilha Sonora: A CURA

Artista: LULU SANTOS

Autor: LULU SANTOS

Álbum: TODA FORMA DE AMOR

Ano de Lançamento: 1988

Crédito de Imagem: PINTEREST



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