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“...O MAR QUE SE ACABA NA AREIA...”

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Nos últimos tempos ocorreram muitas comoções de lamentos e lutas. Foram os jovens nas ruas pelo que se convencionou denominar “Movimento Vem Pra Rua”; manifestações sobre os processos relacionados ao combate jurídico contra a corrupção que envolveu políticos e empresários com “Lava Jato: eu apoio”; manifestações contrárias e favoráveis ao PT e seus integrantes [tão fervorosas quanto emotivas]; a “marcha” do Governo Temer frente à última chance de recuperar a economia com a revisão da previdência pública, agora abandonada.

Por fim, até que novos dias nos atropelem, ocorreu a morte, por motivações fomentadas pela barbárie, da vereadora do PSOL, Marielle Franco. Destino comum de tantos no Rio de Janeiro e São Paulo, com lastros por todo o Brasil que são vítimas de um contexto de guerrilha civil em nada desconhecida dos governos e parlamentos.

A comoção geral, simbolizada em Marielle, parece trazer à tona a angústia pessoal de cada habitante desses cenários bélicos que fecha escolas, expulsa trabalhadores, limita o elementar direito de ir-vir. Marielle e todos os outros assassinados, pelos motivos mais fúteis do regime da força, levaram milhares de pessoas às ruas para manifestar a própria insegurança de todos os dias.

Não é nenhuma novidade, a não ser pelo fato de ser vereadora de um partido político que se coloca à esquerda ideológica num mundo sem nenhuma ideologia capaz de orientar as pessoas sobre um futuro factível, ou um partido que faz da luta a sua própria luta. Ao fim e ao cabo todos os assassinados merecem nosso compromisso intenso de levantar os braços e expor a ardência nos olhos de tantas lágrimas já derramadas.

Todas essas mortes nos mostram diariamente que podemos ser o próximo a cair, por qualquer razão ou mesmo sem razão especial. Cada assassinato, brutal e infame, nos coloca na cara a insuportável sensação de que não há nenhuma possibilidade de conhecermos quando e quem será o próximo: apenas que haverá o próximo.

As manifestações que lembram os mortos são em nome dos vivos para que, de alguma forma, qualquer forma, precisamos gerar um contrato social minimamente civilizatório, que nos entregue as condições de andarmos nas ruas sem segurar bolsas, esconder dinheiro ou desviar de qualquer um que possa ser suspeito pelo nosso medo.

As manifestações imploram por uma vida que possa chegar ao seu fim pelos meios aceitáveis da condição de existência, e não pelo infortúnio ato de guerrilha civil por muito tempo conhecida, mas nunca removida.

Nossa complacência parece não ter fim e, como “o mar que se acaba na areia”, nossas angústias serão permanentes, nosso medo passa a fazer parte da “vida social”, mas as manifestações perderão seu fôlego e deixarão sua marca no passado recente. Não há mais indignação possível, não há mais surpresa ou desconhecimento. E nem há caminhos para fugir.

A sensação de que a violência e a morte rondam por todos os cantos ao mesmo tempo, de que não há nenhum lugar seguro para se sentir aliviado, leva-nos ao medo de estarmos Marielle, João Vitor, José Antônio, Rosa Maria, Antônio José, Maria Rosa... O mar que se acaba na areia é o mesmo mar que, na areia, forma a praia. Está em nossa boca o verbo que dará sentido aos próximos passos.

 

 

 

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Montado no universo fantástico de uma obra extraordinariamente intensa em estranhezas, mistérios e significados ocultos, Zé Ramalho é dono de uma voz de profeta do apocalipse. Compositor e intérprete da canção “Ave de Prata”, lançada em 1979, escolhida para enaltecer este Artigo que  busca descrever o sabor do gosto do juízo final.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes: vivomusica.napster.com e youtube.com



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