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NÁUFRAGO E ISOLADO DE UM MUNDO CONCRETO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Desde a vigência das redes sociais em nossa formação coletiva e na construção de uma outra sociedade, estamos a viver sob a tutela das redes sociais, ao mesmo tempo em que estamos a construí-la com nossas atividades.

Tentar compreender a vida coletiva é um esforço didático e pedagógico. Não por nostalgia [aquele sentimento provocado naqueles que se veem vivendo em terra estrangeira, tal qual um exilado], nem mesmo por saudosismo [posicionamento causado naqueles que superestimam o passado], mas pelo fato de que o mundo das redes sociais subtrai tempo e espaço. No mundo da internet o futuro é uma consequência impositiva do tempo, não um planejamento; e o espaço é uma ocorrência que se desfaz nos “ares virtuais”, pois “as pessoas e os fatos” estão “nos computadores”.

Grandes transformações já se fixaram, revoluções sociais e culturais que não podem ser desfeitas. Em tempos anteriores os telefones e os computadores pertenciam a endereços fixos [casas, empresas], e hoje pertencem às pessoas; os vizinhos eram mais do que pessoas que moram ao lado. Na religião teológica Deus criara os seres, enquanto agora cada um pode criar o seu Deus pelas combinações espirituais mais diversificadas – antes Deus era único, agora o indivíduo é exclusivo. Na escola – segundo lar – a respeitabilidade aos professores era incontestável; o trabalho e o local de trabalho traziam em si valores pertencentes ao domínio público e não um campo de direitos individuais e privados. Na visa social coletiva não se poderia ir ao trabalho por uma preferência pessoal de qualquer roupa ou de qualquer jeito, senão aceitar os valores institucionais, públicos e coletivos que eram superiores às preferências individuais. Um mundo de instantâneos individualistas.

Não é por saudosismo ou nostalgia. Mas é notório que o mundo virtual, por fim, produziu um novo processo civilizatório. Algo que inicia e termina no próprio indivíduo que não tem fixadas suas responsabilidades sociais e coletivas de modo claro e objetivo. Estamos submetidos e a construir uma civilidade fundada nas preferências individuais carregado de “felicidades virtuais” e em fuga desesperada das frustrações que se lhe apresentam sem intermediação. O indivíduo, imaginando estar no mundo, mas isolado em si mesmo e em suas redes sociais, quando de frustrações, se percebe fora do tempo das coisas e das outras pessoas e ausente do espaço de convivência concreta. Talvez, por suas arrogâncias de “ressurreição virtual” e por suas necessárias “vitórias egoístas” não aprenda a viver suas frustrações e angústias de um jogo de bola na rua ou no parque; talvez não possa saber conviver com hierarquias e comandos; talvez não saiba conversar com as pessoas nas ruas a não ser para falar de si mesmo. Não foi socialmente instruído a isso.

Após casos de massacres e assassinatos coletivos em escolas e cinemas, em templos religiosos calcados em fundamentalismos religiosos ou em qualquer lugar que concentrem pessoas para quaisquer fins, passamos a reivindicar valores vividos nas instituições familiares. Apesar de toda a sofisticação tecnológica, nos postamos reivindicando os valores conservadores de formação dos indivíduos em sociedade e para a sociedade, contra as superpotências “da maravilhosa aventura do mundo virtual”.

Não é por nostalgia ou por saudosismo, mas apenas como propriedade didática. O indivíduo de hoje não apreendeu a con-viver com os outros seres em situação de co-presença. O mundo atual tem criado indivíduos que condenam os outros com facilidade, mas que não sabem resolver seus problemas porque não tiveram treinamentos sociais para tal fim. Os computadores se tornaram o acesso ao mundo e às experiências. Em tempos pré-internet eram as outras pessoas, as histórias familiares, a trajetória social dos próximos que enchia as sacolas pessoais com valores, posicionamentos, posturas em domínio coletivo e experiências sociais. Concretamente, não sabem compreender a vida e sua dureza sólida, as gargalhadas coletivas de uma piada politicamente incorreta contada com trejeitos – posto que não foram iniciados; não sabem mesmo o significado social de morrer, sentidos e sentimentos construídos em nossos genes e em nossas relações sociais com valores religiosos, familiares, comunitários e individuais.

Estamos num processo de catarse: o velho mundo concreto e conservador insiste em resistir em nossos meios e em nossas reivindicações quando nos deparamos com alguns resultados da “civilidade virtual”, enquanto o encanto de viver a aventura da “vida virtual” atrai a formação dos indivíduos de todas as idades. É preciso instruir os novos membros da sociedade a viver uma vida concreta, diante de todas as atratividades da vida virtual que não desaparecerá. Como? Com a experiência direta da vida concreta: é ali que se chora, inclusive a morte; é ali que se gargalha, inclusive do politicamente incorreto.

 

 

Sugestão de trilha sonora: 

 “O estrangeiro”, faixa de abertura do álbum de mesmo nome lançado pelo cantor  Cetano Veloso, com arranjos de Naná Vasconcelos, em 1989.

Esta música refere-se ao quão estrangeiro somos aos nossos próprios desejos.

 

 

 

 

 

Créditos imagem e vídeo:  Google imagem/ youtube 

 

 

 

 

 

 

 



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