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NARRATIVAS, PINTORES E TINTAS

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Qualquer forma de se falar de algo sempre recorrerá a um tanto de ingredientes pessoais. As escolhas pelo que se interessa, a forma de interpretar e o jeito de se comentar o que se pensa sempre será mapeado pela língua e seus comportamentos na história humana, pela cultura e seus valores e regras, e pelo contexto no qual se está inserido.

Dizemos que os brasileiros são diferentes dos britânicos pelo jeito de se comportar, pela forma de se aproximar dos outros, pelo modo como usam as palavras. Isso tudo já nos dá um panorama de como uma interpretação está envolvida pelo lugar de onde se fala [na história e na cultura].

Na ciência, a prerrogativa é submeter qualquer trabalho ou pesquisa à crítica dos pares. Em teoria da metodologia isso se refere à intersubjetividade. Admitindo-se que há subjetividade, o melhor é que outras pessoas [outras subjetividades] façam a revisão e a crítica dos trabalhos científicos. Isso equivale a se observar os parâmetros técnicos de organização da pesquisa, os procedimentos e a análise dos resultados. Quanto mais cientistas envolvidos, mais provavelmente o resultado será seguro. Escrever artigos, publicar livros, participar de congressos e encontros científicos são partes fundamentais para que a intersubjetividade seja operada. Quanto mais crítica melhor. Cientistas têm métodos que são formas de se produzir conhecimento científico com orientação à objetividade. Cientista fiscaliza cientista.

Na sociedade é a imprensa que desempenha esse papel. A fiscalização social é fixada todos os dias nas mídias. Jornais expõem notícias e comentaristas para que seus leitores possam entender e se posicionar. Você pode simplesmente discordar, e vamos em frente. Mas o lucro de tudo isso é que você se posiciona com argumentos [por causa disso ou daquilo] ou por preferência pessoal [esse jornal tem um lado, e não é o dos fatos]. Este é um dos fatores que mantêm e manterão a importância da mídia [rádio, TV, Jornal e mídias sociais].

Porém, Rádios, TV e Jornais são operados por profissionais [ou deveriam ser] que estão treinados por métodos para realizarem suas atividades de acordo com um conjunto de regras [ou deveriam ser]. Do outro lado da rua as mídias sociais são operadas pelo indivíduo e dali saem cobras e lagartos de todas as cores e tamanhos. São opinativos em geral.

Aí reside um dos problemas atuais: as vontades como aceleradoras das disposições sobre os fatos. As narrativas não são interpretações que seguem ritos metodológicos que tendem a afastar a vontade pessoal ou a intenção de pintar um evento com as cores da preferência do narrador. Narrativas são contos de fada para se colocar nos fatos, comportamentos e eventos o desejo de como deveriam ser ou como eles deveriam existir. Por minha vontade, e não pelos fatos em si, conto uma estória. Por intenções de tirar vantagens, escorrego no fato. Conto o que me interessa e como me interessa. Isso não é pós-verdade, é mentira mesmo!

Trump e tantos outros são narradores de seus desejos, de suas necessidades, e expressão de suas vaidades. Tentam ser pintores dos fatos. Vaidade que, em breve tempo, deixa os pintores sem tintas e sem pincel.

 

Sugestão de Trilha Sonora: PUNK DA PERIFEIRA

Artista: GILBERTO GIL

Álbum: EXTRA

Data de Lançamento: 1983

Crédito de Imagem: Pinterest



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