GRANDEZA DO SISTEMA E TAMANHO DAS PESSOAS
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Durante a década de 1970, instalado um sistema ditatorial no Brasil, com governo de caráter militar, as possibilidades de luta para desafiar o sistema eram variadas. Contudo, todas elas eram firmadas na impossibilidade de negociação, diálogo ou debate entre os envolvidos. Também os processos de decisão jurídica escapavam à lei e eram proferidos por princípios pessoais dos “príncipes” ora no comando.
Nada era fácil porque não havia a mínima chance de defesa aos que não concordavam com quem mandava. O Absolutismo era o regime. Ser clandestino, estar sempre às escondidas, fugir do controle do Estado, das mais diferentes formas, eram necessidades de combate contra um “inimigo” comum: a ditadura. Era preciso mudar o regime, o absolutismo, a ditadura. Era necessário lutar contra a opressão, se opor ao pensamento único, combater a política na qual “eu mando, você obedece nem que seja na base do porrete”.
Depois de muito suor, lágrimas e sangue chegamos aos anos de 1980. Marco de nossa vida política, o ditador e a ditadura perderam os espaços, as lutas, o sentido de ser. A população foi às ruas, gritou por liberdade e berrou pelo voto direto. Nada foi fácil, mas as possibilidades de falar e dialogar foram conquistadas, o direito ao livre pensamento e à liberdade de imprensa tomaram seu lugar e a lei prevaleceu sobre as preferências pessoais.
O caminho à democracia foi trilhado com passos firmes, acertos e erros, num caminhar de aprimoramento do sistema político e pela conquista da estabilidade econômica. O sistema passou a ser conduzido por regras que não podem e não devem diferenciar quaisquer cidadãos, a despeito da Constituição de Privilégios que se fixou com auxílios de renda de todos os tipos, cargos comissionados de todas as versões, e quantidade de auxiliares a “representantes” do povo que assustaria qualquer faraó.
Ainda assim, inscrevemos a democracia como regime e percorremos os últimos 10 anos com denúncias e prisões justamente daqueles que têm o dever de nos representar e defender. São tantos políticos condenados e presos, são tantos “representantes” sob investigação que não temos mais como fazer uma lista para enunciar o conjunto completo de corrupção.
Nos últimos dias acompanhamos pela TV um espetáculo tão deprimente quanto chato depois de algum tempo de exposição. Houve um desafio ao Estado, um descumprimento de mandado judicial e um completo posicionamento absolutista na base do “eu não aceito”.
Somente na ditadura a lei é colocada de lado e o regime se torna o campo de decisão pessoal. Somente no autoritarismo o comando é executado por um, sem controle ou contrapeso. Somente no absolutismo as regras são as preferências de poucos ou de um.
Triste cena vivemos! Infeliz momento acompanhamos! E o pior de tudo é que aqueles que se intitulam como lutadores contra o regime ditatorial não conseguem instalar, por seus comportamentos, a democracia.
Como seria e aonde chegaria o esforço de inocência de tamanho espetáculo caso Lula se dirigisse à PF uma hora antes do combinado? Se dispusesse seus pulsos para ser algemado, como perseguido que se vê? Capaz de seguir até a sede da Polícia Federal em Curitiba/PR, levado pela militância, como ato de protesto e de exposição de erros supostamente cometidos contra si? Talvez, pudesse resultar como algo maior do que o sistema.
A espetacularização dos fatos já não atinge os espectadores como integrantes de uma meta comum. A grandeza das palavras de ordem de outrora, hoje é substituída por filtros das selfies. Quando o protagonismo fica por conta de um senhor de setenta anos de idade, com dois mandatos presidenciais nas costas e vários processos jurídicos no currículo, o papel de mártir valeria muito mais a pena que o de um jovem rebelde desobediente. Quando o líder é maior do que o Partido Político, quando o Mandatário se vê maior que o regime, temos os ingredientes necessários para nutrir o autoritarismo.
Para todos aqueles que desafiam o regime democrático, que querem fazer da sua forma a forma do regime, basta revisitar os anos 1970 e não esquecer que a luta contra a ditadura não é o mesmo que o alcance da democracia. A ditadura se faz quando a pessoa é maior do que o sistema.