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EXUMAÇÃO E RETROSPECTIVA

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

O que fora um corpo inteiro, feito para dar choques aterrorizantes e orientado à brutalidade física para impor sua vontade pessoal sobre os outros, estava enterrado no passado. No início do ano sagrado de 1017 houve procura pelos seus rastros deixados em DNA. O “entusiasmo” surgira pela vontade de se usar o cabo do chicote como ameaça purificadora de todo o mal.

Era apenas um evento da memória sobre o passado dos Austrolusos. Voltara como ameaça. Para quem se sentia sob o temor do chicote, o pavor se refletia nos olhos congelados, perplexos, amedrontados. Para os que consideravam que a disciplina violenta era a forma de “educar”, a cena revelava o poder de usar o chicote para atemorizar os pensamentos insubordinados.

O corpo seria exumado! Abriram-se as caixas de fantasmas do confronto, do maniqueísmo, do espinho fincado dentro do pé. Cada passo era de dor! No início parecia que o combate seria contra os males do roubo, da humilhação e da desonra pública. Os valores morais seriam recuperados. Logo se percebeu que o poder manifestado ao Douto-Donatário transformara o curandeiro em feiticeiro. O poder como feitiço!

Os tempos seriam difíceis. Os Austrolusos sofreriam com a Peste da Tosse, a comida seria escassa, o trabalho pouco, as moedas diminuídas. Haviam caminhos vacínicos experimentados para se combater a Peste, mas o Douto-Donatário preferiu a mordacidade e a ironia; a comida poderia vir com apoio da Capitania, mas o Douto-Donatário fez da demora a necessidade; o trabalho nem foi escrito na magia; e as moedas foram acumuladas na Praça do Poder e distribuídas entre amigos com fórmulas secretas.

Os Conselheiros do Douto-Donatário eram seres sem olhos, sem cabeça, sem pescoço. Tinham apenas a boca suspensa no ar a ressoar palavras e frases do Douto-Donatário. Chegara o inverno e a Peste da Tosse provou seu poder destrutivo: muitos choraram por longos tempos! Enquanto isso haviam feiticeiros a criar substâncias mágicas protetoras contra a Peste.

Mas o Douto-Donatário mantinha seus pés enraizados nos fantasmas da exumação do que restara dos tempos do medo. Por um período fixou suas forças contra o Conselho das Leis, recuou, e retornou ao ataque. E com o acúmulo dos dias a magia do Douto-Donatário foi perdendo força e o feitiço ficara enfraquecido. Mas os Austrolusos corriam em volta de suas sombras e ainda percorriam o passado para passar ao futuro.

Os anos eram de exumação do passado, como se não houvesse novos nascidos, novos mundos, novos desejos. Os Austrolusos pareciam desiludidos em pensar novos trilhos ou enfeitiçados por tantas magias que não compreendiam as bruxarias que lhes rodeavam. Para os Austrolusos o perigo não estava nas incertezas do futuro, mas nas profundezas do passado! As crises não existem no futuro, e se agravam quando não são resolvidas no passado! Não viviam de retrospectivas, mas de exumações!

 

Sugestão de Trilha Sonora: SEREIA

Artista: LULU SANTOS

Autor: NELSON MOTTA e LULU SANTOS

Álbum: LULU & NELSINHO

Ano de Lançamento: 1995

Crédito de Imagem: PINTEREST



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