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ERMITÃO POR DECRETO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Somos seres sociais. Nascemos para viver agrupados. Nascemos para falar um com os outros. Nascemos para expressar, aos outros, nossa vontade. Quando precisamos nos isolar dos grupos sociais, é sempre a contragosto, contra a vontade instintiva da espécie.

Os isolamentos, sempre obrigatórios, são organizados por instituições sociais [instituições totais, conforme Foucault]. Como nos hospitais e nos presídios, os isolamentos se dão por necessidades sociais. Quando adoecemos e temos que ficar ‘internos” [internados] aos cuidados hospitalares, as instituições assumem por completo, nossa vida. O que comer, controle de visitas, os medicamentos e os rituais de horários, deitar, levantar e alcançar a “alta” [reconquistar o autodomínio de sua própria vida], são decisões que não são negociadas com o paciente; são decretadas por protocolos.

Quando alguém é isolado em penitenciárias [com o objetivo de pagar sua penitência e cumprir com os erros] também tem sua vida assumida pelas regras institucionais. Hora do banho de sol, atividades a desempenhar, tempo de voltar às celas, tipo de comida... tudo é designado sem acordo em reuniões; há protocolos judiciais a decidir. A vida a ser vivida é exatamente o conjunto das regras de isolamento social [a não ser pelo uso de telefones celulares, o qual conecta o isolado ao mundo aberto e aí...].

De resto, trabalhamos ou estudamos no ritmo da semana, na esperança de que o fim da semana [forma de terminar com as rotinas roteirizadas] seja o inverso do quotidiano de trabalho e estudos: uma conquista pessoal e uma atorrecompensa. E de repente, não mais que de repente, surge a necessidade de isolamento social para que o processo de contágio do CORONAVÍRUS seja minimizado. Tarefa difícil para todos: para quem pede ou instiga, e para quem recebe o pedido.

Não é de nossa natureza de espécie viver em isolamento. A expressão já conota tom negativo nos sentidos que pode entoar. Mas, se é necessário, vamos ao menos tentar. O primeiro movimento para o isolamento social foi pela marca “Fique em Casa”. Solicitação indicativa de aceitação pelo indivíduo que, pelas circunstâncias da vida, fica mais tempo fora de casa do que em casa. Ficar em casa poderia surtir efeitos iniciais positivas, mas ali em frente iria surtar suas próprias declarações. Num país cuja cidadania ainda está para nascer, não seria em nome do outro, daquele cidadão que tem direito à proteção de sua vida, que um qualquer poderia se restringir a agir.

O segundo movimento, diante da insatisfação dos resultados do “Fique em Casa”, foi a de fechar as atrações de vida social, como bares, restaurantes, shoppings, cinemas. Já que não se consegue manter as pessoas em casa por sua própria vontade, tenta-se evitar os atrativos. Então, se você sair não terá muito o que fazer.

Mas ainda restam algumas fugas possíveis. Condomínios asseguram relativa condição de encontros festivos em grupos; arranjos alegres em ambientes relativamente distantes ou que ofereçam alguma segurança passam a ser opções ao encontro de compensação contra o cotidiano. Ficar em casa, isolado da rua e da vida social, somente com a TV e os noticiários estatísticos de mortes e contaminados, aborrece Jó.

Não é de nossa natureza existencial viver em isolamento. Talvez a expressão de incentivo pudesse ser a de “Responsabilidade com o outro” e assim carregaríamos algo positivo em nossas relações sociais. Tarefa difícil ficar em isolamento social: que nos gritem os hospitais e as Penitenciárias. É contra nossa primazia instintiva. A autorreclusão não está em nossos genes. Não há ermitão por decreto. O controle não está em suas mãos: entre o ser instintivo e o ser social, vence o prior [de Priore: o primeiro entre dois, prioridade].

 

 

 

 

Sugestão de trilha sonora: Fera Ferida

 

Autor: Roberto Carlos / Erasmo Carlos ano de 1982

Artista: Maria Bethânia

Vídeo oficial da faixa "Fera Ferida" (Ao Vivo), do DVD " Maricotinha Ao Vivo". - youtube 

 

Crédito da imagem:  Documentários da BBC “História de vida” -  Caranguejos eremitas à espera na fila… para o novo lar.



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