ENTRE O ESPETÁCULO SOCIAL E A DECEPÇÃO DO INDIVÍDUO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
MEDEIROS, Daniella
Jornalista
Alguns fenômenos se tornaram relevantes para tentarmos perceber o que fazemos e como fazemos nossas vidas a cada dia que passa. Simulações em jogos de futebol, desfechos perturbadores de celebridades artísticas, e as pregações de inocência diante de um conjunto simétrico de delações, provas documentais e intercepções telefônicas – aqui e acolá. E nós no sofá de nossas salas a bradar nosso desencantamento solitário.
Em jogos de futebol atletas tentam demonstrar a realidade infiel, segundo a qual sofreram algum tipo de obstrução ilegal, alguma falta às regras do jogo, algum impedimento indevido. São espetáculos de tentativas para enganar o decisor, o árbitro, o juiz que procura encaminhar o andamento do jogo dentro das regras estabelecidas. E se ocorrer algum erro de avaliação o problema é do árbitro. O narrador aponta que o tal jogador ”não tem nada a ver com isso!” Mas tem; e muito!
O narrador não avalia a conduta moral do falseador, mas o erro de julgamento e quem o cometeu. E os espectadores, imbuídos como justiceiros, asseguram a deficiência do árbitro ou postulam que o erro é parte do jogo em defesa de vantagens à sua equipe. O que lhes une não é a moral [como valor aglutinador de grupos sociais e alimento de boas práticas de modo voluntário], mas a conduta de julgador. Nem a ética [como valor sobre o que deve ser de acordo com regras e posicionamentos claros, codificados em documentos], mas a capacidade de condenar o errático. Na base do “Apontar o dedo”.
Num outro canto do mundo, mas envolvidos nos mesmos princípios de conduta social, celebridade artística apresenta comportamento indevido, perturbador, desaconselhável. Muitas gravações evocam o erro social – afinal cada um faz o retrato da sociedade como se dela não participasse. Vale o espetáculo da decepção. Não há uma única mão a proteger o desviante. Porém, condenações de todos os tipos aparecem. Não há nada além do se colocar atrás da câmera como se não fosse parte do jogo social. Nasce o julgador decisivo e o narrador espontâneo do comportamento inadequado. Moral e ética não lhes move como prática comum.
Num outro mundo, em qualquer canto, surgem os que ostentam a madeira da inocência. Diante de um conjunto interminável de práticas e atitudes que tendem a se unificar num único acervo comportamental, se declaram inocentes, ou perseguidos porque seriam, antes, heróis. Perdem a dignidade da força de um pedido honesto (ao menos isso!) de desculpas pelo atropelamento da ética e pelo bombardeio da moral. Mais uma vez, em nossos sofás, apontamos o dedo e nos postamos à acusação.
Se queremos que algo mude, precisamos mudar em nós o que outrora nos foi a força comum e o espírito de solidariedade. Aos jogadores de futebol é necessário ensinar que comprometem a conduta moral e que a realidade infiel aos fatos lhes desaprovarão porque não podemos aceitar tal desfecho. Aos que apontam em riste ao ator global, condenando-o (e fim!), cabe devolver o troco que lhe veio errado, obedecer ao pedestre na faixa que lhe dá poder, assumir o sinal vermelho como determinante de seu comportamento, e não jogar lixo na rua porque ela é de todos e não de ninguém. Aos que percebem Sérgio Moro como herói diante do holocausto da moral e da ética política (de políticos e empresários), que possamos assumir seus resultados como parâmetros de nossas condutas e não como superpoderes individuais do Juiz.
Se não podemos mudar nossos valores e comportamentos, permaneceremos como juízes em sofás, como se não estivéssemos incluídos sobre o que julgamos, como portadores de câmeras a gravar o espetáculo, e como senhores de toga a apontar a decepção da existência do comportamento dos indivíduos.
Estamos em atraso com uma Reforma de Estado e as suas formas de estruturar o poder político; estamos demorando para concretizar um Estado de Direito cujo valor de orientação às práticas são as leis [expressão de padrões de ética] e a justiça [expressão de valores morais]; estamos em falta conosco quando não nos utilizamos dos artefatos que nos servem para apontar os erros dos outros. Há muito o que mudar e o movimento que catalisa a mudança é a decepção com os indivíduos ou a desgraça política. Temos os dois.
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