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ECOS DOS TEMPOS: “L’ÉTAT C’EST MOI”

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Uma das principais características da cultura política brasileira é o Patrimonialismo. Não nos é exclusivo, mas é absolutamente marcante em nossa história. Por não termos realizado nenhuma revolução ou transformação de valor político como é o caso da Revolução Francesa [1789, cem anos antes de nossa República] ou uma Revolução Industrial [transformações rápidas e intensas ocorridas na Grã-Bretanha entre 1760-1860 que atingem a formação da sociedade em domínios técnicos, sociais, intelectuais e econômicos], basicamente nossa história social e política não tem referências das condições do surgimento da sociedade moderna.

O Brasil [nação surgida somente em 1822] foi resultado de um processo de colônia de expropriação para a manutenção do Império Lusitano e suas relações. Não construímos a diferença entre as transformações políticas e econômicas ocorridas na Europa e um plano de futuro. O Estado, por consequência da estruturação colonial firmada durante 322 anos com Capitanias Hereditárias e Escravatura, foi observado como um ente que assume os predicados pessoais do mandatário.

Como tal, o governante passa a agir por relação de dominação com características coloniais, com cooptação e castigo, formando alianças entre “amigos-interesses” e “servilismos comissionados” que perduram até que as condições de interesses sejam mantidas. Alguns com o sabor vingativo do castigo aos derrotados como satisfação pessoal. Prevalecem sempre as pessoas, o personalismo, o “governo de maioria forjada” ou “situação por privilégios” diante de “minorias potenciais” ou “oposição fora do comboio”.

Diante disso, em boa parte, os partidos políticos se constroem como estruturas para fazer os “ajustes” dos grupos de pessoas e não dos valores ideológicos. Assim, não podem construir valores de representação de interesses de uma população. Surgem para garantir os interesses dos próprios partidários filiados. Partido Político, então, tem dono, tem Mandatário.

Dos Partidos Políticos, seus integrantes “migram” para composição de Governos e seus “espaços” são utilizados para firmar a cooptação e formar a “maioria”. Não há uma conduta propriamente de “esquerda” ou de “direita”, senão de situação ou oposição. Não é à toa que partidos escrevem sua história estando sempre na composição de governos.

Por esses motivos e por essa trilha da trajetória política brasileira formamos uma cultura política segundo a qual o Estado é um Aparelho para ser ocupado pelos interesses de grupos e não por interesses nacionais ou de coletividade. É aí que o Patrimonialismo faz sua casa como valor de fundamento às condutas: transforma o público [Estado] e coletivo [interesses da população] em pessoal [personalismo político] e privado [grupo amigos].

Mas na história política recente há algo a mais a ser contado como potencial componente da história política recente e como visionário valor político cultural: a Política de Enfrentamento, que explode como vulcão adormecido, nas últimas eleições. Enquanto os Capitães Hereditários imaginam sua continuidade em várias esferas do governo, os eleitores se insurgem utilizando sua arma cedida [porque não conquistada por luta de construção de cidadania e cidadãos]: o voto como força coletiva e não individual.

A Política de Enfrentamento fez marcas importantes no processo de transformação de valores políticos. Aos governantes atuais e que estão por vir, talvez seja melhor convir que a forma e a força da representação dos interesses coletivos não se originam exclusivamente nos gestores como até então. Está também em outro lugar: a representação dos interesses da população está com os eleitores. “L’État c’est moi”, gritou o eleitor!

Crédito da imagem: Vchalup/Dreamstime



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