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DEMOCRACIA E FRAGMENTO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

A Senhorita Democracia, encarnação das diferenças e do bom debate, é a semideusa capaz de permitir que distinções de ideias não sejam batalhas sangrentas. Em tempos passados, quando do nascimento da Senhorita Democracia, foi necessário ter a ajuda de um conjunto de parentes para que ela pudesse vir como uma promessa de Liberdade Política, Social, Cultural... O Estado de Direito é um dos consanguíneos.

O Tio Direito deu de presente o berço para que a Democracia pudesse dormir sossegada, como um bebê alimentado e limpo. O berço constitucional, tem como colchão as leis e as grades como os limites ao egoísmo e à vaidade e a revelação de que um precisa do outro. Essas estruturas existem pairando sobre as cabeças da família Moderna, e conseguem orientar a forma segundo as quais os parentes vão se relacionar. As formas de cumprimento, a aceitação de ideias diferentes como experiência para a maturidade social, e a construção da paz para se estabilizar as relações. O Tio Direito definiu as regras escritas do jogo.

Irmã do Tio Direito, a Dona Cultura, é a Tia mais velha que se consagrou como uma benzedeira que orienta, pela moral, o que se deve fazer porque seria ali o jeito certo de ser. Não escreveu nenhuma linha, mas deixou no coração da Família Moderna um espírito do bem e do mal, do certo e do errado, do constrangimento pessoal e da virtude e do aplauso. Dona Cultura conseguiu algo que é maravilhoso: estabeleceu as regras do comportamento, do sentimento, da ação sem carimbar nenhum documento. São aquelas crenças que estão incorporadas nas veias da família e que atribuem papéis sociais e responsabilidades; o jeito de ser, existir, sentir, fazer.

A menina Democracia aprendeu a andar pelas mãos do Tio Direito e da Tia Cultura. Cresceu e ficou moça em muitos lugares diferentes. A profissão escolhida pela Democracia foi a de ser professora. Desejosa de ensinar adultos e crianças nas escolas, nas ruas, nas casas, na montanha, nas praias. Em alguns lugares fora demitida pelo Diretor da Escola, homem vaidoso, arrogante e doutor da verdade: “- Eu estou certo e se você não concorda, então, você é contra meus desejos e meu inimigo. Você está errado porque eu estou certo”. Ali os alunos fecham os olhos para ver melhor. A Senhora Democracia não pode conviver ali. Foi empurrada para a rua.

Em outras escolas ela era a própria lição e os estuantes cresceram olhando para os outros. A Professora Democracia fez com que os alunos pudessem realizar as descobertas ao invés de dar as respostas. Quando saiam para caminhar seus aprendizes estudavam os caminhos possíveis, pensavam o futuro, e debatiam seus rumos. Não era fácil, mas era a forma amadurecida de viver com os outros. Pelas regras do Tio Direito e pela educação da Tia Cultura, as diferenças não levavam à guerra, nem a gritos, nem à violência física, nem ao xingamento, nem a ofensas. Os estudantes estavam preparados para aceitar a diversidade, e não construíam armas para a eliminação do que lhes era diferente ou mesmo oposto. A Senhora Democracia não aceita a violência!

Democracia não é a existência das diferenças, mas sua aceitação; não é um conjunto de fragmentos divergentes, mas as formas de convívio respeitoso. Existir diferenças não é suficiente para as lições da Democracia, mas é a forma de se relacionar com tais diferenças que darão aprovação política. A Democracia não cria mitos e nem salvadores. O avanço da vida política não nasce da tentativa de anular o outro [adversário] para sair como vencedor. Não é uma guerra, mas uma forma de se conversar com quem diverge. Não existe Aula de Democracia porque há diversidade. Só poderá haver lições de Democracia pelo respeito às ideias divergentes. Nosso calendário escolar não começou ainda e está sem data para o início!

 

Sugestão de Trilha Sonora: FAMÍLIA

Artista: TITÃS

Álbum: CABEÇA DINOSSAURO

Data de Lançamento: 1984

Crédito de Imagem: Pinterest



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