DEMOCRACIA DE GRAÇA, POLÍTICA CARA
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor com referência à política, apenas esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender é procurar entender.
O Brasil possui 5.570 municípios [IBGE, 2018]. Para um país continental poderia parecer adequado se o suporte para tal quantidade fosse uma proporção direta e simples entre território total e divisão espacial.
Com a Constituição de 1988, em nome do fortalecimento político nas áreas onde as pessoas vivem, foram firmadas aos municípios autonomia de caráter político [decisão sobre os dirigentes – prefeitos e vereadores], financeiro [decisão sobre forma de uso de recursos públicos – impostos municipais, planejamento orçamentário] e administrativo [decisão sobre os caminhos de desenvolvimento a serem seguidos].
Essa estrutura federativa de divisão dos territórios deveria proporcionar a mais elevada ação política democrática, a mais qualificada cidadania e o mais aprimorado espírito republicano entre os habitantes de um município. Pela descentralização, os municípios seriam a origem da força da participação, pois é nos municípios que nasceriam as mais elementares e consistentes formas do desenvolvimento democrático brasileiro.
Mas o percurso seguido pela nossa história política foi muito distinto do idealizado constitucionalmente. Depois de 30 anos foram criados muitos municípios, ampliou-se a quantidade de vereadores [em nome da maior representatividade de grupos sociais], prefeitos e vice-prefeitos, instituíram-se os mais variados Conselhos Municipais e sistemas de defesa aos clientes de Estado [Observatórios Sociais, Estatutos em defesa de grupos vulneráveis, PROCON etc.].
Mas nossa democracia política é absolutamente residual. O “cidadão” é festejado apenas e tão-somente enquanto eleitor, e desprezado sem cerimônia em todo o restante do tempo. Os eleitos, no exercício do cargo, passam a ter ideias pessoais, a defender seus mais privativos interesses, mobilizados por causas-próprias, e indiferentes aos ideais republicanos.
Para cada parlamentar [vereadores, deputados estaduais e federais, e senadores] há um conjunto insaciável de salários, auxílios-privilégios, verbas indenizatórias, assessores-resultados de apoio eleitoral.... Tudo isso resulta num país cujo parlamento é o mais caro do mundo desenvolvido. Some-se a isso o fato que a representatividade de grupos sociais é visivelmente frágil e a representação de interesses coletivos é praticamente inexistente. Num jogo de “situação” e “oposição” vale, para os espectadores, torcer pelo combate e suas manchetes jornalísticas de desastres políticos [corrupção, indiferença com os interesses da população, non-sense sobre representatividade política], como uma disputa de um campeonato esportivo.
É importante lembrar também que o Brasil é um dos poucos países que paga salários e todo o suporte de atividade [decidido pelos próprios parlamentares] para representação parlamentar municipal – cerca de R$ 10 bilhões/ano [Tesouro Nacional].
Entre tantas propostas de revisão desse formato institucional de “representação” política [como a extinção de salários de vereadores para municípios com até 50 mil habitantes] há, mais recentemente, a possibilidade de reagrupamento territorial de municípios com até 5.000 habitantes [Censo de 2020] e que não comprovem sua sustentabilidade financeira até 30/06/2023. A reorganização territorial seria efetivada em 2025.
Em nada ou quase nada tal decisão mudará a forma e o conteúdo do comportamento político de habitantes e de eleitos em seus “narcisismos”. A cultura política precisará de muito mais esforço e energia para dar um passo à frente no processo de desenvolvimento político. Em todo o caso, ao menos deixaremos de usar recursos de impostos, taxas, contribuições para manutenção de um sistema que pouco contribui para o aprimoramento democrático.
A estrutura de representação deve ser defendida, posto que é o campo que proporciona a política. Precisamos de uma mudança estrutural. Porém, o comportamento político, a dinâmica democrática e seus valores, angústias, representatividade da diversidade e representação dos interesses públicos, estão muito, muito, muito aquém de uma democracia substancialmente respeitável. A Democracia é de graça, mas a política tem nos custado muito caro!
Música: Carimbador Maluco
Artista: Raul Seixas
Álbum: Raul Seixas
Data de lançamento: 1983
Crédito da Imagem: Pinterest