COISA PÚBLICA, MÃOS PARTICULARES
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
A Coisa-Pública, os Princípios Res-Publicanos, o sentido de cidadania e cidadão ainda não se fazem reais nas práticas políticas brasileiras. Marcados como somos pelo colonialismo lusitano, sempre resistente ao liberalismo econômico inglês e ao liberalismo político francês, nossa história se faz pela conversão do que é público como bem particular. Com as tatuagens do império medieval português, fizemos deste território um encontro dos bens públicos com as mãos, solenes e sedentas, de vícios particulares.
Ao invés de uma Nação encontramos, nas imagens dos espelhos, um mundo carregado de privilégios políticos, benefícios seletivos e legisladores de regalias. Nas salas espelhadas o reflexo é de aristocratas judiciais e de presidencialistas personalistas. A República, ainda falta o parto. Na formação recente do Estado, com Constituição pervertida em emendas e remendos, o casuísmo é safra sem esforço de plantio e sem conspiração de clima. Tudo ao prazer de quem escreve em generosos orçamentos secretos, como troca de bilhetes de rifas marcados antes do sorteio.
O liberalismo político requerido como fundamento da Proclamação da República do Brasil fora um necessário impulso de combate ao Império, mas uma quimera no primeiro amanhecer. Seus requisitos derreteram como sorvete ao sol: [i] a descentralização do poder político, [ii] a formação de partidos políticos de teses ideológicas [nada a ser relacionado com a pretensão de conservadorismo patrimonialista de todos os lados nos dias de hoje], e [iii] a restruturação do pacto federativo se tornaram figurinhas raras em um álbum esquecido na prateleira.
O liberalismo econômico teve que avançar se apertando nos corredores das privações políticas ou se entrelaçando nos corredores palacianos. A [i] abolição da escravatura como medida para criação de mercado moderno, [ii] a inovação em tecnologias de consumo e [iii] industrialização das cidades se fez ou sonegando a política ou se abraçando ao sangue azul da adulação.
A cada ablução dos ritos matinais, o País vê diante de si a inexistência da República, a prevalência do interesse particular, o destempero do que poderia vir a ser cidadania, a briga forjada pela insanidade nas redes sociais, os sabedores por intuição que jamais visitaram um único livro, e os sacramentos políticos da liturgia patrimonialista dos políticos.
Congressistas de interesses particulares que se perpetuam em fórmulas legalizadas por suas próprias mãos, com fundos eleitorais e partidários sem fim, orçamentos e emendas parlamentares estranhas ao senso coletivo, sistemas de impunidade e privilégios ilimitados, são como colonizadores em 1500. Da nova colônia tudo se tira, tudo se expropria para o enriquecimento da corte. Como recompensa aos famintos de cidadania, se entrega o mercantilismo político, as feitorias de emendas parlamentares e o sistema de sesmarias de conteúdo dominial.
Políticos em cargos Executivos sem senso público, que queimam recursos públicos em cartões corporativos [apropriado ao comportamento] em atitude imperial, que acreditam que podem dizer o que pensam desperdiçando a responsabilidade representativa. Coçando o umbigo ignoram o fato de que estão ali para fazer gestão de conflitos e administrar diferenças políticas. Adita-se Rei, falta-lhe o império.
Personagens Judiciais que arrogam a política para tomada de decisão e esfolam as leis, que tecem teses de combinações constitucionais como janelas sem casas e que são indicados por presidentes como compromisso político. A lei não regula, o Rei impele.
A República é uma necessidade. Pois que nasça forte e cresça vigorosa. Hoje, a festejar apenas a condição de feriado, folga, final de semana prolongado: vale um descanso!
Sugestão de Trilha Sonora: OURO DE TOLO
Artista: RAUL SEIXAS
Autor: RAUL SEIXAS
Álbum: KRIG-HÁ, BANDOLO!
Ano de Lançamento: 1973
Crédito de Imagem: PINTEREST