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CHAGAS DO VOTO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

A Idade Média [séc. V-XV] foi marcada pela combinação de religião, medo e política. O conceito de futuro que conhecemos e usamos hoje tivera outro sentido. No período medieval o tempo era instância divina e o medo propagado pelos líderes religiosos como forma de manter os viventes medievais sob tutela dos superiores “espirituais”. Como mandatários divinos e como os mais próximos da “pureza celestial”, líderes religiosos eram os responsáveis pela interpretação do mundo humano, suas fragilidades e suas culpas, seus erros e seus pecados. Figuravam como os “Olhos de Deus” na terra. A Inquisição fora o modelo institucionalmente organizado para “oferecer” aos humanos tementes à Deus a purificação pelo sacrifício e tortura: penalizar o corpo e salvar as almas.

De todos era exigida a cumplicidade de denunciar quaisquer elementos que, combinados, formavam a “inspiração demoníaca” e a representação de todo o mal que nos condenaria como humano e como sociedade. As pestes e enfermidades coletivas eram o estopim para gravar, como expressão da revolta divina, os comportamentos malignos das pessoas. Viver na sociedade era evitar suspeitas, gatos pretos, usos profanos e impiedosos para se fazer o mal.

A Política e o sistema de controle da Idade Média residiam dentro da cabeça das pessoas, assustadas e fragilizadas pelas possibilidades de o mal se instalar em seus corpos e em seus pensamentos. O medo psicológico sobre as coisas era o fantasma que assegurava controle, docilidade e servilidade. Não há, nestes tempos de trevas, autonomia de pensamento, apenas repetição de estribilhos de medos.

A Idade Moderna [séc. XV-XVIII] marcou a transição do feudalismo para o mercantilismo, período das grandes navegações e da descoberta e ocupação de novos territórios. O Iluminismo [“dê-me uma luz”, uma razão] revela transformações culturais e conceituais na vida das pessoas e coloca sob manejo humano o futuro desejável. Libertos, em boa parte, do medo, expressões como futuro, esperança, planejamentos foram alocadas como tarefas humanas e sociais. As liberdades de escolhas [mesmo que dentro de “cardápios” sociais e políticos] e a sensação de se poder construir o futuro, são os principais marcos da “Revolução Moderna” da História Humana. Há vitórias psicológicas por racionalidade lógica e liberdade de pensamento!

Passamos a depender mais de nós mesmos e de nossas práticas, a colocar o homem como responsável por suas opções. A punição vem de nossos atos. Delegamos para sistemas constitucionais os processos de julgamentos, sanções e de mercado conforme sistema de leis previamente escritas e antecipadamente interpretadas [acórdãos]. Leis, Juiz e Acusador estão separados. O medo do futuro e das vinganças divinas fora alterado para o julgo humano em organizações políticas e instituições sociais vigorosas, interdependentes, autônomas e estáveis. Vive-se melhor assim!

Na Idade Média havia apenas um sistema de controle e punições, de acusações e “purificações”. O “bem” estava “beatificado” na Centralização do Poder [hoje Ditadura]: modelo para subordinação servil e opressiva. A Idade Moderna afastou os desejos do rei como imposição aos comportamentos dos cidadãos [Democracia]. As instituições poderiam oferecer justiça e bem-estar em nome do coletivo. Mas, por vezes, somos medievais, especialmente quando “o melhor meio de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão” [Quincas Borba, Machado de Assis], instrumento comum na escravidão! Hoje, voto e medo caminham de mãos dadas!



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