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BEM-ME-QUER ELEIÇÃO, MAL-ME-QUER CIDADANIA

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

Para que possamos ser cidadãos ou para que a cidadania seja um parâmetro fortificado em nossas condutas, necessitamos de um conjunto de princípios que fazem, por si mesmos, um arranjo bem entrelaçado de referências nas práticas mais cotidianas. Uma faixa de pedestre deveria ser um dispositivo comum para motoristas, pedestres, ciclistas... As faixas brancas deveriam emanar um espírito de valor que pudesse emoldurar o comportamento de cada um [de todos] com os dizeres de quem tem a prioridade. Mas não é assim que funciona.

O servidor público deveria [tese] ser obcecado pelo dever de servir ao público, de se encantar pela tarefa primária de atendimento aos seus chefes [cidadãos] e cumprir as funções para as quais são eleitos [ainda que por concurso público]. Mas, sabemos todos, que privilégios reinam para poucos [de vinhos a camarões em jantares aristocráticos], enquanto professores se tornam militantes de causas educacionais com remuneração vergonhosa.

Os pagadores de impostos viram clientes de Estado e não cidadãos. Exigem serviços e obras porque pagam impostos. É pelo fato de pagar impostos, taxas, contribuições, requerimentos que reclamam pelos serviços necessários. É uma troca mediada por pagamentos, e não um direito por ser cidadão. Sofrem ainda mais quando imaginam que um Prefeito é bom porque faz algo em seu favor, porque lhe promoveu um privilégio-migalha na rua, na casa, em atendimento em saúde.

O valor de troca ou a situação de dependência não formam cidadania. Justo ao contrário: destituem o direito, transforma o cidadão em pedinte, elaboram o dever de ter que fazer como benevolência porque fez. A cidadania é enterrada, a cada dia, em buraco mais fundo, mais petrificado, mais insano.

Em tempos de eleição os eleitores se tornam os mais poderosos, os requeridos, àqueles em nome dos quais há o esforço de compromisso, de se estabelecer a esperança e de se formar um futuro melhor. A política, por certo, é a arte da esperança. E a eleição é o meio pelo qual se selecionam àqueles que se propõem a ser escolhido pela conduta de tempos a vir. Pobre da nação, inferior o espírito, escandaloso o compromisso que, após deferido o encarregado [que se considera um vencedor-eleito] deixa de ser ouvido, requerido, apreciado para os passos pós-eleitorais.

Os arranjos posteriores à contagem dos votos, não mais que de repente, deixam de lado o moço ou a moça que outrora votou. O espetáculo da cidadania eleitoral se faz passado e o dono do poder se imagina dono da decisão para os todos, quase sempre a partir de si mesmo. Não é à toa que hoje encaramos a reeleição como um problema, como uma adversidade que suborna a cidadania com privilégios-migalhas de cesta básica, de atendimento rápido-fura-fila em saúde.

A eleição surgiu com princípios e valores mais elevados do que privilégios, do que esquerda-direita [inexistentes no Brasil]. Eleição serve para dizer que quem manda na cidade é o cidadão e o valor de referência é a cidadania. Ainda que tenhamos eleições, faltam-nos cidadania. Que os candidatos possam, antes de dormir, levar este imbróglio para o travesseiro.

 

Sugestão de Trilha Sonora: BABY

Artista: GAL COSTA

Autor: CAETANO VELOSO

Álbum: ACÚSTICO MTV – GAL COSTA

Data de Lançamento: 1997

Crédito de Imagem: Pinterest



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