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AS PROMESSAS DO SHAMPOO

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

 

Aos leitores: não há neste artigo quaisquer juízos de valor com referência à política, apenas esforço analítico sobre os tempos políticos atuais. Compreender é procurar entender.

 

Se você já comprou algum tipo de shampoo para você ou para alguém próximo, muito provavelmente você leu o texto promocional na embalagem. As promessas e esperanças são extraordinárias: brilho reluzente, volume perfeito, recuperação ultrarrápida, hidratação completa, hiperfortificação capilar etc. Sempre com extrato de um produto relativamente conhecido.

Como não somos capazes de acompanhar os resultados e talvez nem mesmo acreditemos em tais promessas, tudo isso serve apenas por alguns instantes. É só um pacote de qualquer coisa atravessar o caminho e já esquecemos do shampoo. E também porque temos muitos outros processos sociais reais a serem encarados com ou sem cabelos.

Nossos partidos políticos são semelhantes ao shampoo. Há uma imagem institucional que advertidamente nos reafirma sua necessidade pelas virtudes de que são o caminho para a representação dos interesses coletivos, para a defesa da democracia e para o avanço da política. Sempre como texto promocional, já que nessa caminhada política as marcas que a história da vida dos partidos nos reservou são distintas e distantes de sua publicidade.

Em termos teóricos, como uma tipologia ideal [M. Weber], tudo isso é verdade. Não se faz a representação de interesses de sociedades complexas com o desejo pessoal de um contra o interesse pessoal de outro. As necessidades coletivas são, em tese, amparadas pelos partidos políticos em torno de seus apelos ideológicos.

Tais ideologias devem ser traduzidas em práticas para que os resultados perseguidos sejam acordados, defendidos e legados ao desenvolvimento político. E esse desenvolvimento se reverteria em estrutura de Estado Democrático e em cultura política refinada [como valor que orienta o comportamento]. Dessa forma gera-se a fidelidade política ao partido e a fidelidade ideológica aos valores políticos, sem janelas institucionais de transferência de um lado para o outro.

É exatamente na cultura política e na solidificação do Estado que encontramos as esperanças na ação político-partidária e nas promessas de atração eleitoral. As ideologias são rótulos que servem como parâmetros para que os comuns, como eu e você, possamos nos agarrar em uma corda para atravessar o hoje até a chegada do amanhã. Ideologias são bandeiras a tremular açoitadas pelos ventos do dia de amanhã. [Chegaremos à nossa morte sem conseguir alcançar o dia de amanhã, já que este estará sempre transferido para o dia seguinte. Uma das razões pelas quais acreditamos nos eternizar. Coisa dos humanos!].

Agora, o Presidente da República sugere a possibilidade de mudar de partido sem nenhuma argumentação relativa a compromissos ideológicos ou de princípios de representação política. Por desafetação ou por discórdia pessoal ou por atitudes de um ou outro ou por quaisquer motivos se pula de um partido ao outro. Partidos tendem a servir para lavar os cabelos.

Enfim, tudo isso expõe a forma de existência de partidos políticos, seus fundos partidários e suas franquias financeiras eleitorais: são organizações que servem para o agrupamento de interesses pessoais ou de pequenos grupos, com o comando top-down, sem vínculo orgânico com a sociedade ou mesmo parte significativa dela. São representativos de hierarquia e mando, de benefícios seletivos [para onde, para que e para quem são encaminhados os recursos e capitais políticos]. Este é um dos motivos pelos quais nutrimos reverência e rendemos fidalguia ao personalismo político.

Para cumprirem com suas funções e seus deveres os partidos políticos necessitam ser reformados, sem janelas aqui e cercas ali. São os partidos que servem a pessoas e personalidades, e não o inverso. Personalidades políticas são celebridades que se apresentam nos palcos partidários. Hoje, nas condições estruturais, partidos políticos são como shampoo para dar volume e hidratação capilar a carecas. É preciso mais do que siglas e rótulos!

 

Sugestão de trilha sonora: Clichê do clichê

Artista: Gilberto Gil/Vinícius Cantuária

Álbum: Dia Dorim Noite Neon

Data de lançamento: 1985

 

Imagem: google imagem



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