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APAGANDO INCÊNDIO COM GASOLINA

 

 

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

 

A legitimidade é irmã siamesa da hegemonia. A legitimidade é a circulação sanguínea do sistema de poder que garante a estabilidade de um sistema de autoridade e produz aceitação sobre “posições legítimas”, “vantagens merecidas” e “hierarquias justas” (M. Weber). E isto para a hegemonia é essencial para que o produto da circulação sanguínea seja alimentado por valores sociais e políticos que se transformam em argumentos e posicionamentos absolutamente “certos” e “justos” (A. Gramsci).

Quando há crises de legitimidade e de hegemonia parece que o sistema entra em colapso e se torna urgente que um novo mundo político seja criado para uma nova vida social. Em geral os grupos de poder se encontrariam em dificuldades de se estabelecer como representantes de ideias para um novo futuro. Isto porque ainda se encontram nas mesmas estruturas de autoridade e domínio que estão em crise de legitimidade e hegemonia.

Nesses casos de ausência de representante de um novo mundo é comum se buscar o passado como elemento de segurança para o futuro. E qualquer manifestação de reivindicação acaba por se transformar na possibilidade de saída das angústias que rondam como fantasmas a vida das pessoas.

É por isso que a manifestação de caminhoneiros representa mais valores políticos do que crise de abastecimento generalizada. Embora possamos reclamar da falta de combustível, de escassez de alimentos e insumos para serviços emergenciais, não estamos a responsabilizar ou culpar os motoristas – e nem mesmo empresas – pelas condições em que vivemos.

Há um consenso tácito ou calado segundo o qual a crise pela qual passamos é resultante da falta de representação de nossos interesses e necessidades nos poderes e em suas formas de existência. A falta de produtos e insumos para mantermos nossas vidas cotidianas não é mais grave do que a falta de representação de nossos interesses e necessidades.

A greve de caminhoneiros se torna legítima – aceitável, socialmente justa e politicamente adequada – porque representa nossas angústias frente ao sistema de privilégios que se instalou no Estado (em todos os níveis desde a prefeitura até o governo federal, e em todos os poderes, como o executivo, o legislativo e o judiciário).

 Teremos uma eleição em outubro cujos contornos e substâncias, forma e conteúdo, está sob alerta de crise de legitimidade e hegemonia. Não é necessário somente renovar os integrantes do Estado como sendo uma fonte capaz de transformar por dentro as crises em que vivemos. As condutas de pressão precisam estar combinadas com a transformação do Estado por fora, como é o caso da greve dos caminhoneiros. E nem é buscando a transformação no passado que poderemos cruzar a linha do futuro.

Quando não se tem legitimidade e hegemonia, partimos para a força bruta e a pressão autoritária, imaginando sempre que o poder está no “grito”. Quando não se pode mais dialogar como sendo membros legítimos para entender os problemas e dispor soluções, nos tornamos menores do que éramos. A crise se agrava e se acumula. Perde-se a condição de ir em frente. E o grito é o mesmo que apagar incêndio com gasolina: uma burrice de incompetentes e mal amadurecidos politicamente. Hoje os caminhoneiros nos representam!

 

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Karl Emil Maximilian Weber, ou Max Weber é um dos clássicos da sociologia moderna e intelectual representante da teoria compreensiva que, em contraste com teorias de base unicausais, como marxismo e liberalismo, sempre atribui às origens de análises pelo menos duas variáveis.

Antonio Gramsci é um filósofo integrante do marxismo culturalista e um dos teóricos da teoria da hegemonia. Para Gramsci não são somente as estruturas de Estado que mantêm o poder de elites, mas as formas de aceitação de valores e posicionamentos que criam e mantém a dominação.



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