AMANHÃ NÃO É O FUTURO
JANUÁRIO, Sérgio S.
Mestre em Sociologia Política
DANIELLA MEDEIROS
Jornalista
Num período civilizatório fundado pela relação entre indivíduos a partir de redes virtuais, separando as pessoas físicas e formando um grupo invisível a si mesmo [seguidores, curtidas, engajamentos...], os padrões de relacionamento se transformam e são propriamente reificados, tornados “coisas”. Com isso os aspectos das interações sociais se tornaram tão diferentes que se transformam, em alguns momentos, confrontos entre gerações.
Outrora fomos formados e formamos um mundo social atrelados nas relações diretas com intenso controle social e fortes valores de integração de membros à comunidade. Isso fazia de cada um uma parte de um conjunto “superorgânico”, um “corpo social” que se instituía como um sistema interligado. Um sistema no qual “o todo” protegia as partes e cada parte funciona para o todo. Um sistema simples baseado em composto de cumplicidade, solidariedade, responsabilidade e honra sociais. “Palavra dada, lança lançada”: valores que qualificavam as pessoas e suas necessidades de vida social. Dádiva e contra-dádiva, comportamento baseado no quanto vale e não no quanto custa, eram padrões de vida social reveladores de status sociais.
Hoje as pessoas não desejam mais ou mesmo não têm mais necessidade de viver em grupos sociais amplos de relações de co-presença. Essas formas sociais que implicam em controle social e também em decodificar olhares, tom de voz, gestos que acompanham verbos e intensidades comunicativas e que exigem dos interlocutores um encontro físico “inteiro” nas relações em construções cujas possibilidades de “não-ser” ficam suspensas. Os status sociais, as medidas de relevância social são realizadas por amigos e seguidores e seus engajamentos virtuais.
Atualmente, o mundo social é designado por acesso instantâneo aos outros e às coisas. Não há mais necessidade permanente de instituições que “controlam” e “protegem” seus membros [religião e Deus que não é único; escola EAD, família e seus grupos de whatsapp]. Estas estruturas sociais nãos mais integram indivíduos numa escala de compromissos de co-presença, em que para relacionar-se, seja preciso estar no mesmo recinto físico. Ainda que existam, de forma estruturada e física, e que sejam reivindicadas de tempos em tempos, estas instituições não mais nos determinam, como já o fizeram.
E sem este planejamento pronto, designado, institucionalizado, não há futuro, apenas o dia de amanhã. Não há um plano, e vamos levando. Uma sociedade antes solidificada hoje é fluída, combinando-se entre sólidos, líquidos e gasosos. Apesar de todos estarmos conectados em uma única rede (web), ora somos água, outrora vapor, às vezes gelo. Viver é uma indeterminação, e isso parece ser “bom”.
E apesar das transformações civilizacionais e do atual acesso a todo tipo de dados e informações, o que nos será sempre essencial e que sempre esteve presente em todos os tempos do homem sapiente é a interpretação. É a nossa capacidade de interpretar fatos, ocorrências, contextos, sistemas de valores, culturas políticas, comportamentos sociais, e formas de comunicação nos faz vivos.
A forma de fazer as coisas e as referências para que sejam feitas se transmutam no tempo e nos lugares, mas a interpretação é, exatamente, a medida da capacidade de interferir nas coisas e nos compostos sociais. Ainda resta a cabeça. E sempre restará.
""Um barco que veleje
Nesse infomar
Que aproveite a vazante
Da infomaré""
Fonte: youtube / Crédito da imagem: google