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À VOCÊ, QUE NÃO EXISTE...

JANUÁRIO, Sérgio S.

Mestre em Sociologia Política

MEDEIROS, Daniella

Jornalista

 

 

Recentemente estávamos a participar de uma conversa e um dos interlocutores praticamente dominou todo o diálogo expondo suas experiências, seus convívios, suas virtudes. E, na maioria das vezes, seu principal propósito era se demonstrar como alguém que se fazia pelo “Eu”. Alguém praticamente solitário, que tinha os outros como objetos a orbitar sua existência. Parecia viver sozinho numa sociedade carregada de “outros”.

“Pobre vaidade de carne e osso chamada homem, não vês que não tens importância absolutamente nenhuma” (1). Na verdade, são os outros que estabelecem quem somos e o que somos. Somos os resultados de nossas relações e trajetórias. Ninguém está autorizado a falar de si mesmo e dizer o que é e como é porque somos os efeitos de nossas trajetórias sociais.

Não existe a pessoa professor como a condição de existência dessa categoria. O que há, são as relações estabelecidas entre aquele que exerce (e somente exerce) a atividade com o imediato e inegável reconhecimento daquele a que denominamos aluno.  “Professor” e “aluno” somente existem como relações sociais, como um campo de força e de luta que se manifesta naquele momento da aula e, muitas vezes, em outros momentos da vida quando de um encontro fortuito em qualquer ambiente.

Professor é aquele reconhecido pelos outros como tal. De nada valeria ser professor se ninguém promovesse a recompensa social do reconhecimento. Sem aluno não há professor e, ao mesmo tempo, sem professor não poderia haver aluno. O mesmo serve para pais e filhos. Até mesmo para o conflito é necessário que haja dois entes. Como dizia Maquiavel, “se você príncipe, não conseguir resolver o conflito, elimine o conflitante”. Isso porque o conflito é, necessariamente uma relação social. O conflito, como tudo na vida social, requer a participação e reconhecimento de duas pessoas.

Se somos resultados de nossa trajetória social, somos o resultado de nossas interações. É claro que nascemos num mundo social já constituído, mas em permanente e vagarosa transformação, na medida que os valores, atributos e parâmetros são relativamente modificados a cada geração. Já estão prontas as instituições religiosas com suas orientações morais; as estruturas educacionais com suas manifestações pedagógicas; as formações familiares e suas orientações de valores sociais; as constituições de Estado e de política com seus conteúdos frente ao que é público e coletivo. É por esses valores e regras que surge o agente social (e não o indivíduo).

Não há nada de individual na vida social, absolutamente nada. Até para ser sozinho você precisa dos outros. O indivíduo não existe! Existem os que agem na vida social e que ao mesmo tempo são agidos pelas estruturas sociais. Um transforma vagarosamente o outro e a sociedade vai se fazendo. Quando um membro social deixa de existir a sociedade segue seu rumo porque não depende de sua existência individual. A despeito de que ele possa ter sido elemento importante nas mudanças sociais e relembrado por seus atos ou celebrado por seus gestos e condutas sociais.

Fazer pesquisa é a busca de se coletar dados capazes de desvendar parte dos comportamentos sociais. Não é simplesmente fazer perguntas de qualquer forma, de qualquer jeito, para qualquer pessoa, em qualquer momento. Há regimes de convivência social que implicam em se assegurar que as relações sociais possam ser captadas e interpretadas como forma de nos entendermos nesse mundo relacional.

Indivíduo você não existe como condição necessária para os outros. Você só pode ser com os outros, pelos outros, a partir dos outros. Você indivíduo só pode ser associado aos outros. Sem os outros você não age e não é agido. Você é um agente social, um ser associado e dependente dos outros. Viva os outros que lhe dão vida social e lhe fornecem identidade.

 

(1) PESSOA, Fernando. Mensagem. Globo, 2016

 

 

Agora dance, dance... Mãozinha pro lado, bundinha pro outro...

Se finge de morto e não pare de dançar.

 

Agora, Clique: https://www.youtube.com/watch?v=z2z9JP6qcoQ

 

 

Foto de Lara Zankoul | Reprodução/Larazankoul.com



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