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A LOTERIA DA VIDA BRASILEIRA: POBREZA E DESIGUALDADE

GUERINI, Eduardo

Mestre em Sociologia Política

 

O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso. (Ariano Suassuna)

 

A sociedade brasileira desde a década de 1970 do século passado se orienta por um imaginário construído nos governos militares, que seríamos o país do futuro, um Brasil potência, com direito a marchinha ufanista que indicava um direção irrefreável para o crescimento econômico, geração de emprego e renda, onde todos viveriam no paraíso tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.

Após cinco décadas (2020), as flutuações cíclicas na economia, com sucessivas alternâncias em governos classificados de direita, de centro, ou, de esquerda, continuamos a sonhar com expectativas de crescimento que são associadas a interdependência global.  Porém, a última rodada de estatísticas apresentadas pelo FMI – Fundo Monetário Internacional, demonstra que o crescimento mundial sofre “desaceleração sincronizada”, com estagnação do comércio global, crise profunda em diversos países, como: Chile, Argentina, Peru, Equador, Haiti, Nicarágua, Turquia, Líbano, que turvam as águas da bonança econômica, com graves perturbações sociais.

O aprofundamento de uma agenda reformista regressiva, com fortes laços na ortodoxia econômica, denota o enredo que traz consigo a desigualdade social resultante da pobreza estrutural, diversas vezes naturalizada por setores da elite funcional que engendra os receituários do “establishment” e do “think thanks” da agenda neoliberal difundida nas últimas décadas no cenário global.

A incapacidade de realizar as expectativas de crescimento do produto e da renda, traduzido no Produto Interno Bruto (PIB) e renda per capita em constante elevação, se transforma no pesadelo dos assalariados e trabalhadores em geral.  Os problemas e demandas sociais crescentes, são traduzidos na precariedade dos indicadores sociais na pátria desalmada do Brasil. A concentração de renda indica que os mais ricos (1% mais rico da população) abocanham o equivalente a 34 vezes o ganho obtido pelos 50% mais pobres. 

A desigualdade aumentou com a queda do rendimento real dos mais pobres, assim como, o salário admissional expresso nos dados da flutuação do emprego (CAGED/2019) indica a retração da ordem de 10% em setembro de 2019. A fome e as endemias aumentaram substancialmente, e, a concentração da renda no topo da pirâmide social brasileira só perde para o Qatar, segundo Relatório da Desigualdade Global (Valor, 18/10/2019, p. A7). A concentração verde-amarela somente não se aprofundou, tendo em vista a implantação de um sistema de proteção e seguridade social, que não distribui, apenas redistribui parcela da riqueza por mecanismos de transferência de renda, em programas seletivos e residuais, como: Programa Bolsa Família (PBF), Benefício de Prestação Continuada (BPF), e, sistema contributivo de seguridade social, garantindo aposentadorias para os trabalhadores urbanos e rurais.

Em busca da equidade social e fiscal, os ciclos econômicos são produtos de variáveis macroeconômicas e decisões políticas que, na maioria das vezes, impõe as parcelas mais vulneráveis, carentes de oportunidade, um sorteio entre a sobrevivência indigna, ou, o rompimento da miséria existencial com promoção social tutelada pelo Estado. A negativa de um pacto social no caso brasileiro, tal como ocorreu no período posterior a crise de 1930 e Segunda Guerra Mundial no mundo capitalista, intitulado de “anos dourados”, com implantação do chamado “welfare state”, um Estado de Bem Estar Social. Eis a demonstração de  nossa incapacidade em forjar uma nação que alicerça os laços sociopolíticos em prol da justiça social. 

Neste cenário paradoxal, a razão dos gastos dos 10% mais pobres e os 10% mais ricos, demonstra que, o dispêndio da renda, é inversamente proporcional nos setores mais pobres, impedindo a igualdade de oportunidades. Os pobres gastam mais com alimentação e vestuário, menos com saúde, educação, recreação e investimentos.  Em síntese, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) entre 2012 a 2018, aponta para um recrudescimento da desigualdade, da pobreza, impedindo as oportunidades de ascensão e mobilidade social das classes subalternas.

Na série de frustações sucessivas das últimas décadas, a esperança depositada nos governantes eleitos, nas políticas econômicas e seus programas sociais, transformou os brasileiros em jogadores contumazes de jogos de azar, dispostos em realizar levantes para jogar na “Mega Sena” da virada, desprezando os direitos sociais garantidos na Constituição Cidadã.  A percepção diante da agenda que não reflete melhoria nas condições de vida da sociedade, na valsa que bailamos à beira do abismo, nos relega ao vaticínio do causídico poeta Ariano Suassuna: “Ao redor do buraco tudo é beira”.

 

Crédito de Imagem: Google Imagens



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